Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
Não é surpresa lermos em noticiários e principalmente na internet que os animais silvestres estão constantemente invadindo as áreas urbanas. Ora bem, se falarmos de invasão, quem é o verdadeiro invasor da história?
A remoção de áreas naturais para atividades relacionadas a agricultura e pecuária, exploração de minérios e desenvolvimento urbano, entre outras, é cada vez mais frequente, ocasionando o deslocamento da fauna silvestre. Em busca de áreas naturais e recursos necessários à sua sobrevivência, os animais silvestres encontram obstáculos como as áreas urbanas e as rodovias, sendo essa última uma grande ameaça à fauna em todo o mundo.
A expansão urbana desordenada causa impactos nas populações silvestres, não só pela destruição de habitat, mas também devido à aproximação e ao contato direto com humanos e animais domésticos. Animais silvestres de inúmeras espécies são encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO) com indícios de agressões causadas por humanos, utilizando objetos perfurocortantes, como facões, pedaços de pau, arma de fogo, entre outros. Além das agressões causadas por humanos, há também as perseguições e agressões ocasionadas por animais domésticos, principalmente os cães.
Esse contato com o meio urbano acarreta problemas sérios nas populações silvestres, com destaque às zoonoses em que há espécies susceptíveis a contrair doenças como a cinomose e parvovirose. Tais patógenos acometem em grande parte canídeos e felinos domésticos, porém podem afetar também os animais silvestres que se refugiam e/ou transitam nas áreas de vegetação de localidades urbanas e periféricas das cidades.
É comum vermos nessas áreas muitos cães e gatos soltos nas ruas, sendo bem provável que eles não tenham recebido adequadamente os protocolos de vacinação em sua fase inicial de vida. Ao adentrar nessas locais, os animais silvestres são contaminados e carregam consigo os vírus responsáveis pelas doenças, comprometendo as demais populações de silvestres existentes nos fragmentos próximos à cidade.
De forma resumida, a cinomose é classificada como doença altamente contagiosa, cuja evolução pode ser aguda ou subaguda, afetando o sistema respiratório, gastrointestinal e nervoso central. O contágio ocorre principalmente através de aerossóis (fumaça, poeira), do contato com secreções orais, nasais, respiratórias e oculares que contêm o vírus e pelo contato próximo com indivíduos contaminados.
Estudos comprovaram que a cinomose pode acometer não só animais domésticos, mas também espécies da fauna silvestre como o cachorro-do-mato, a raposa-do-campo, o quati, o furão, as onças, os tamanduás e até mesmo mamíferos marinhos. Os sintomas nos animais silvestres podem variar de acordo com a espécie, idade e condição imunológica. Os sinais clínicos mais frequentes são as secreções purulentas nasais e oculares, convulsões, alterações gastrointestinais e neurológicas, diarreia com presença de sangue, letargia e perda de peso.
Diante da sintomatologia apresentada, os animais silvestres encaminhados ao Cetas que são susceptíveis ao contágio passam por avaliação criteriosa, visando o bem estar e a saúde dos outros animais que se encontram em reabilitação. Eles permanecem em isolamento total durante o período necessário para a realização de exames clínicos e laboratoriais. Nem sempre os resultados dos exames são negativos e nem sempre os indivíduos soropositivos respondem ao tratamento administrado, sendo, por vezes, a eutanásia (que também é uma forma de tratamento) a melhor solução diante da irreversibilidade da doença, aliviando a dor e o sofrimento.
Já passamos por todas as situações citadas e afirmo: é muito ruim. Alguns indivíduos foram contaminados porque era mantidos como pets em residências na cidade, juntamente com cães e gatos. Em grande parte, são provenientes de entrega espontânea (recolhidos pelo Corpo de Bombeiros) e apresentam sintomas típicos, além de pulgas, carrapatos e comportamento dócil.
Tais experiencias reforçam mais ainda a importância e a necessidade da disseminação de conhecimentos acerca do meio ambiente, da conservação e da preservação da biodiversidade, bem como as implicações criminais ocasionadas pela posse ilegal de animais silvestres. Assim como não existe espetáculo sem plateia, não existe floresta sem animais. Vamos pensar sobre isso?
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