Pesquisadores do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS)
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Nada mais oportuno do que aproveitar o movimento promovido pela Amphibian Survival Alliance (ASA) nas redes sociais, a Semana dos Anfíbios 2022, para divulgar a iniciativa que nós do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS), com apoio financeiro da ASA, desenvolveremos neste ano para contribuir para a redução das fatalidades de anfíbios em estradas brasileiras.
Uma tragédia quase invisível
A maioria das pessoas não percebe a enorme quantidade de anfíbios que são mortos em nossas estradas. Também entre pesquisadores e consultores que trabalham com o tema, os números em geral ainda causam surpresa. Embora pesquisas acadêmicas com atropelamentos de fauna que incluam os anfíbios venham aumentando nos últimos anos, poucos deles são realizados com amostragens adequadas para a detecção dessa fauna tão pequena, ou seja, com amostragens a pé. Dentre esses últimos, pouquíssimos utilizam abordagens amostrais e analíticas que levam em conta alguns dos erros inerentes a tais amostragens, como a eficiência dos observadores e a persistência das carcaças.
Mesmo amostragens a pé, diárias, registram apenas uma fração do que morre. Para exemplificar, um estudo realizado em cinco quilômetros de uma estrada que em parte margeia o Parque Estadual de Itapeva (RS) estimou, a partir de dois métodos distintos, que aproximadamente nove mil anfíbios morrem por quilômetro, por ano nesse trecho. Assustador, não?
Por que morrem tantos?
Várias razões concorrem para explicar essa elevada fatalidade, mas duas delas estão relacionadas com aspectos comportamentais típicos destes animais: (1) a maioria das espécies apresenta deslocamentos de ida e volta de indivíduos para os sítios reprodutivos que muitas vezes estão separados por uma estrada e (2) em geral essas espécies não apresentam comportamento de evitamento das estradas ou de veículos em aproximação.
Altamente motivados a se reproduzirem ou voltarem para os locais onde viverão fora desse período, os anfíbios simplesmente se deslocam focados em chegar ao destino. Não importa o que está pela frente. Isso faz com que estradas com um elevado tráfego, sobretudo em dias mais úmidos ou chuvosos, se tornem uma armadilha, com uma elevada proporção dos que tentam atravessar sendo atropelados.
Por que se importar?
Dependendo das perspectivas de cada um, poderíamos enumerar uma lista bastante extensa de motivos para se importar com essa alta mortalidade. Para encurtar, anfíbios são o grupo, entre os vertebrados, com a maior proporção de espécies ameaçadas de extinção em nível global e, infelizmente, essa quantidade não para de crescer por diversos mecanismos de ameaça (veja matéria). No caso específico das estradas, uma ampla revisão da literatura revelou que as populações dos anfíbios também estão entre as mais afetadas pelas fatalidades decorrentes dessas infraestruturas.
Uma cooperação pelo reconhecimento dos anfíbios no licenciamento de rodovias
O licenciamento ambiental, mesmo de estradas já em operação, é uma grande oportunidade para tentar reverter essa tragédia para as populações de anfíbios. Todas as estradas necessitam periodicamente renovar as suas licenças de operação, ou aquelas que ainda não as obtiveram precisam regularizar essa situação. É nesse momento que deve ser perseguida a mitigação de passivos ambientais, como o atropelamento de fauna.
Com o apoio financeiro da ASA, durante o ano de 2022, promoveremos uma série de workshops, que reunirão analistas ambientais licenciadores dos Estados e da União. Esses encontros terão como objetivo discutir orientações técnicas que possam subsidiar diretrizes para implantar a avaliação de fatalidades de anfíbios e a implantação de ações de mitigação e avaliação de efetividade nas rodovias estaduais e federais. Nosso objetivo é que pelo menos rodovias que cortam ou tangenciam unidades de conservação gradualmente passem a contar com dispositivos como cercas e passagens de fauna especificamente adaptadas para esse grupo (mas que também beneficiam inúmeros outros animais).
As/os analistas ambientais serão as/os protagonistas desse esforço e pretendemos, através dessa rede de colaboração, catalisar o apoio técnico e o suporte político mútuo para que cada uma e cada um se sinta motivada/o e amparada/o para promover, na sua instituição, avanços na direção da minimização da carnificina de anfíbios nas estradas brasileiras. Nossa meta é que em cinco anos, pelo menos, metade dos Estados brasileiros e o licenciamento federal tenham alguma norma que determine a avaliação e mitigação das fatalidades de anfíbios nos trechos mais críticos.
Como participar?
Se você é analista ambiental de órgão licenciador e atua especificamente com rodovias, por favor entre em contato conosco através de nerfufrgs.asa@gmail.com.
Se você conhece um(a) analista ambiental que atua com licenciamento de rodovias em nível estadual e da União, por favor escreva para o mesmo endereço e nos informe o nome e o contato desse(a) profissional.
Nosso objetivo é ousado, a rede de cooperação necessária é complexa, o desafio é imperioso e a motivação é gigante. Estamos contentes em começar!
Quem é a ASA?
A Amphibian Survival Alliance é uma aliança global de parceiros que, desde 2011, busca promover a implantação de ações que resultem em um mundo melhor para os anfíbios.
Quem é o NERF-UFRGS?
O Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias é um grupo de pesquisa e extensão que, desde 2011, vem se dedicando a desenvolver, testar e promover abordagens amostrais e analíticas e iniciativas colaborativas que promovam políticas públicas que resultem em menores impactos de infraestruturas lineares sobre a fauna.
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