Projeto Andorinha-Azul: uma ave unindo continentes

No Brasil, existem 18 espécies de andorinhas, e oito delas são migratórias. Durante a primavera e o verão do hemisfério sul, diversas regiões do país testemunham espetáculos no céu, com milhares de andorinhas voando juntas. A maior parte das espécies que visitam o Brasil se reproduz no hemisfério norte e viajam milhares de quilômetros em busca de um recurso essencial: alimento! Com o inverno intenso no hemisfério norte, a disponibilidade de insetos diminui drasticamente e milhões dessas aves voam para a região tropical, onde há abundância de alimento. Com o fim do verão e início do outono no hemisfério sul, as andorinhas começam a sua jornada de volta para o norte, para mais uma temporada reprodutiva.

Durante o dia, é possível observar grupos com algumas andorinhas, às vezes com diferentes espécies, empoleiradas e realizando lindos voos para capturar insetos no ar. No entanto, é no entardecer que enormes bandos se reúnem em locais específicos para passar a noite. Uma dessas espécies é a andorinha-azul (Progne subis), que começa a chegar ao Brasil a partir de agosto e setembro e fica por aqui até o final de abril. A espécie pode ser confundida com outras que apresentam características semelhantes, por isso é preciso atenção para identificá-la corretamente.

Entre as décadas de 1960 e 2010, a população de andorinhas-azuis sofreu uma drástica diminuição, verificada no hemisfério norte. Apesar das iniciativas de conservação concentradas nos Estados Unidos e Canadá durante a estação reprodutiva, pouco se sabia sobre o período de permanência da espécie no Brasil, parte crucial do seu ciclo anual. Conhecer as ameaças enfrentadas por essas aves no Brasil é fundamental para entender o declínio global da espécie.

Por isso, em 2019, instituições do Brasil e dos Estados Unidos uniram esforços para estudar a ecologia da espécie no território brasileiro, dando origem ao Projeto Andorinha-Azul. Os objetivos do projeto incluem identificar os destinos migratórios das diferentes subespécies de andorinha-azul, descrever as ameaças enfrentadas pela espécie e localizar bandos/dormitórios de andorinhas-azuis no Brasil para traçar estratégias eficazes para a conservação da espécie.

Subespécies de andorinhas-azuis

As andorinhas-azuis são divididas em três subespécies isoladas geográfica e reprodutivamente. Elas constroem seus ninhos em diferentes estruturas e apresentam algumas diferenças morfológicas sutis.

• A andorinha-azul do leste é a subespécie com a maior população e, por causa de sua proximidade com os seres humanos nos EUA e Canadá, é a subespécie mais estudada. Vários indivíduos já foram rastreados com GPS, tornando possível conhecer os locais onde invernam no Brasil. Essas aves vêm para a região amazônica e formam bandos de dezenas a centenas de milhares de aves.
• A andorinha-azul do oeste usa buracos em árvores para construir seus ninhos, embora apenas algumas populações dependam de ninhos feitos por humanos. Poucas aves dessa subespécie foram rastreadas durante a migração, sendo localizadas no litoral do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, na Bahia e um indivíduo em Goiás.
• A andorinha-azul do deserto é a mais desconhecida entre as três subespécies. Se reproduz no deserto de Sonora, do sul do Arizona e Califórnia, até o noroeste do México. O seu destino migratório ainda é desconhecido e a falta de informações sobre a biologia da subespécie é o primeiro desafio para as ações que visem a sua conservação. Por isso, um dos objetivos do projeto é localizar as áreas não reprodutivas da subespécie. O Instituto Butantan, em colaboração com a Tucson Audubon Society e a Northern Arizona University, tem conduzido pesquisas no deserto de Sonora para equipar as andorinhas com geolocalizadores (GPS) e coletar penas. Essas penas serão analisadas para identificar o lugar em que cresceram durante a estação não reprodutiva. Além disso, desenvolvemos uma exposição virtual para divulgar as descobertas do projeto.

Ameaças: intolerância e contaminação

Uma das principais ameaças enfrentadas pelas andorinhas-azuis na região Sudeste do Brasil, especialmente no interior paulista, é a intolerância das pessoas em relação ao barulho e à sujeira causados pelas aves nos locais de repouso. Até a década de 1990, era comum avistar grandes bandos de andorinhas em cidades como Campinas, Ribeirão Preto e Barretos, onde dezenas de milhares de aves se reuniam em árvores nas praças. O incômodo causado pela presença delas levou as pessoas a cortarem árvores e até mesmo soltar rojões para espantá-las. Essas ações resultaram na significativa redução dos bandos no estado, que atualmente são avistadoss apenas em cidades menores e áreas rurais.

Outra grave ameaça enfrentada pelas andorinhas-azuis no Brasil é a contaminação por metais pesados e outros poluentes. O ecólogo Jonathan Maycol Branco conduziu um estudo sobre a contaminação por mercúrio em andorinhas-azuis que migram para a Amazônia, durante sua pesquisa de mestrado pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, em parceria com a Northern Arizona University. O pesquisador identificou altas concentrações de mercúrio nas penas, estabelecendo uma correlação entre essas concentrações e o nível de gordura corporal das aves, um fator crucial para uma migração bem-sucedida. À medida que crescem, as penas incorporam substâncias da corrente sanguínea, sejam elas do ambiente ou metabólitos produzidos pelas aves, refletindo a saúde do organismo e do ambiente durante esse período. As andorinhas-azuis trocam as penas no Brasil, por isso também podem ser coletadas durante a estação reprodutiva no hemisfério norte, mas dar informações sobre as aves e o local que estavam antes da migração.

Mapeando dormitórios com ciência cidadã

As andorinhas-azuis começam a chegar na Amazônia a partir de agosto e até dezembro são avistadas em grande parte do território nacional, desde o Norte até o Sudeste. Para compreender a dinâmica dessas aves em escala nacional, a participação da sociedade através da ciência comunitária é essencial, permitindo alcançar os objetivos do projeto e contribuir efetivamente para a conservação da espécie.

Os registros feitos por observadores de aves permitiram descrever o cronograma de chegada e partida das andorinhas-azuis em diferentes regiões do país. Além disso, com a ajuda de voluntários, pudemos monitorar dormitórios em quatro localidades distintas.

O dormitório mais estudado até o momento está localizado na região metropolitana de Manaus, no município de Iranduba (AM). Lá, as andorinhas se reúnem em uma pequena ilha no rio Negro, que durante a cheia do rio fica parcialmente submersa, deixando somente o topo das copas das árvores à mostra. Todas as noites, centenas de milhares de andorinhas-azuis se agrupam para dormir. Por volta das 17h, algumas dezenas de aves começam a voar ao redor da ilha. Rapidamente, dezenas se transformam em centenas e, em seguida, milhares, preenchendo o céu. Como se obedecendo a um único sinal, no mesmo momento todas as aves se organizam em um redemoinho imenso que mergulha na copa das árvores, desaparecendo de uma só vez. Aos poucos vão silenciando e se preparam para passar a noite.

Esse dormitório permanece ativo de fevereiro até o início de abril. Durante os anos de 2019, 2020, 2022 e 2023, realizamos trabalho de campo nessa localidade. Nessas expedições, as aves foram anilhadas, medidas e algumas equipadas com radiotransmissores para monitorar os seus movimentos na região. Além disso, amostras de swab e penas foram coletadas para análises relacionadas à saúde das aves.

Esse mesmo espetáculo já foi registrado no rio Teles Pires, no norte do  Mato Grosso, e também em Guarapari e em Linhares, no litoral do Espírito Santo.

Esses locais foram identificados graças ao empenho de centenas de pessoas que compartilharam seus registros em plataformas colaborativas como WikiAves e eBird, além de voluntários que entram em contato com a equipe do projeto para reportar suas observações. Você também pode contribuir! Saiba mais em andorinhaazul.org.

O Projeto Andorinha-Azul é uma colaboração entre instituições nacionais e internacionais dedicadas à conservação dessa espécie no Brasil. Conta com a participação de pesquisadores do Instituto Butantan, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Northern Arizona University, Colby College, no estado do Maine (EUA), e Purple Martin Conservation Association, uma ONG sediada na Pensilvânia (EUA). Além disso, tem parcerias com a Tucson Audubon Society, Klamath Bird Observatory e Disney Conservation Fund.

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