
Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Quando pensamos na pré-história, é inevitável surgir na mente, em primeiro lugar, a imagem de grandes predadores. Dos grandes mamíferos do Pleistoceno (entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos atrás), como o famoso tigre-dentes-de-sabre, aos mais portentosos dinossauros carnívoros que reinaram durante o Cretáceo (entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás), fica difícil escolher qual deles parece mais ameaçador. Entretanto, milhares de anos antes desses formidáveis predadores surgirem no planeta, um outro tipo de carnívoro reinava, especialmente aqui no Brasil: o Prestosuchus chiniquensis, parente muito distante dos crocodilianos atuais (como os jacarés) e que viveu há cerca de 240 milhões de anos atrás no Rio Grande do Sul.
Os primeiros fósseis dessa espécie foram descobertos na unidade geológica chamada Formação Santa Maria, localizada próxima à cidade de São Pedro do Sul (RS), em 1938 pelo paleontólogo alemão Friedrich von Huene. A Formação Santa Maria é notável internacionalmente por sua fauna de vertebrados extremamente rica, especialmente por possuir alguns dos dinossauros mais antigos do mundo, como o Staurikosaurus e os sauropodomorfos Buriolestes e Saturnalia. Outros animais, como os dicinodontes, cinodontes e o lagerpetideo Ixalerpeton, completavam a fauna. Assim, o Prestosuchus tinha uma grande oferta de presas, dos mais variados tamanhos, para a sua alimentação. Além disso, as rochas da Formação Santa Maria indicam que esse era um ambiente que continha um grande lago, que passava por grandes períodos de seca – sendo assim um ambiente propício para aglomerar diversos animais em busca de água fresca durante os períodos mais úmidos.
Nas últimas décadas, diversos outros espécimes têm sido descobertos, inclusive juvenis, que ajudam a entender o ritmo de crescimento e desenvolvimento dessa espécie. Mais recentemente, um espécime em particular (sob número de registro ULBRA-PVT-281) apresenta um excelente estado de preservação. O Prestosuchus foi o maior predador durante sua época, atingindo cerca de oito metros de comprimento e pesando quase uma tonelada, sendo o predador de topo em seu ambiente. Assim como seus parentes distantes, os crocodilos e jacarés, o Prestosuchus andava sobre quatro patas, porém com uma postura mais vertical dos ossos dos membros, diferenciando-se dos seus “primos” atuais. Esse posicionamento dos membros garantiu uma maior rapidez de movimentos, tornando-o um predador ainda mais eficiente.
Entretanto, mesmo com todas as suas adaptações ao seu meio e sendo uma espécie muito bem sucedida, o Prestosuchus foi extinto no final do Triássico, juntamente com diversas outras espécies. Apesar de pouco lembrada, o evento de extinção durante a transição do final do Triássico para o Jurássico resultou no desaparecimento de mais de 60% de todas as espécies de vida terrestre e marinha. E, apesar do Prestosuchus e alguns parentes terem perecido devido a esse evento de extinção em massa, foi graças a esse fenômeno que os dinossauros e pterossauros puderam finalmente ganhar espaço e ocupar os nichos então vagos.

Para saber mais
– Sterling J. Nesbitt. 2011. The Early Evolution of Archosaurs: Relationships and the Origin of Major Clades. Bulletin of the American Museum of Natural History. 352: 1–292. doi:10.1206/352.1
– Desojo, Julia Brenda; Baczko, María Belén von; Rauhut, Oliver W. M. 2020. Anatomy, taxonomy and phylogenetic relationships of Prestosuchus chiniquensis (Archosauria: Pseudosuchia) from the original collection of von Huene, Middle-Late Triassic of southern Brazil. Palaeontologia Electronica. 23 (1): 1–55
– Lacerda, Marcel B.; Mastrantonio, Bianca M.; Fortier, Daniel C.; Schultz, Cesar L. 2016. New insights on Prestosuchus chiniquensis Huene, 1942 (Pseudosuchia, Loricata) based on new specimens from the “Tree Sanga” Outcrop, Chiniquá Region, Rio Grande do Sul, Brazil. PeerJ. 4: e1622
– Mastrantonio, Bianca Martins; Von Baczko, María Belén; Desojo, Julia Brenda; Schultz, Cesar L. 2019. The skull anatomy and cranial endocast of the pseudosuchid archosaur Prestosuchus chiniquensis from the Triassic of Brazil. Acta Palaeontologica Polonica. 64 (1): 171–198
– Roberto-Da-Silva, Lúcio; Müller, Rodrigo Temp; França, Marco Aurélio Gallo de; Cabreira, Sérgio Furtado; Dias-Da-Silva, Sérgio. 2018. An impressive skeleton of the giant top predator Prestosuchus chiniquensis (Pseudosuchia: Loricata) from the Triassic of Southern Brazil, with phylogenetic remarks. Historical Biology. 0: 1–20
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