Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaboradora do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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As rodovias cortam diversos tipos de ambientes e, com isso, modificam a conexão entre habitat, às vezes atuando até mesmo como uma barreira ao movimento da fauna. Essa barreira ao movimento dos indivíduos dentro e entre as populações animais diminui o acesso a recursos e pode alterar padrões de composição e riqueza de espécies e as interações entre elas, modificando o funcionamento dos ecossistemas. Rodovias podem também atuar como corredores de deslocamento, facilitando movimento de polinizadores ou ainda a propagação de espécies invasoras. Dizemos, assim, que um dos grandes efeitos das rodovias é a mudança na conectividade ecológica da paisagem.
A Avaliação de Impacto Ambiental é uma das mais importantes estratégias para evitar e reduzir os impactos causados por infraestruturas humanas na biodiversidade. Infelizmente, os efeitos em nível de paisagem são normalmente negligenciados em projetos de rodovias, mesmo em lugares onde há diretrizes de boas práticas para avaliação de impactos ambientais. Geralmente, os estudos ambientais apenas mencionam a manutenção de corredores ecológicos sem uma avaliação quantitativa ou preditiva desse impacto.
Recentemente, publicamos um artigo de opinião em que identificamos lacunas e destacamos alguns caminhos para avançarmos na consideração da conectividade ecológica na Avaliação de Impacto Ambiental de projetos rodoviários. Na figura abaixo, apresento as principais questões que elencamos.
Vou trazer aqui estudos para exemplificar alguns desses pontos levantados. Para mais detalhes de cada um dos outros pontos, convido todos e todas a lerem o artigo.
Abordagem multiespécie
Um dos caminhos que destacamos é a importância de passarmos de abordagens analíticas de espécies únicas para uma abordagem multiespécie. Defendemos que a conectividade multiespécie é importante para garantir não só a persistência de algumas espécies, mas para manter as interações entre elas e, com isso, o funcionamento dos ecossistemas. Como exemplo, trago um trabalho feito na África que comparou essas diferentes abordagens e concluiu que o foco em uma única espécie pode resultar em planos de conservação que não atendem às necessidades de conectividade de espécies concorrentes. Ainda, esse mesmo trabalho demonstra que algumas espécies podem servir como substitutas para modelar a conectividade para outras espécies de interesse.
Os autores observaram que os modelos de conectividade para a hiena-manchada e o cachorro-silvestre-africano serviriam para indicar áreas importantes para conectividade do elefante (espécie-alvo dos planos de conservação). Essa conclusão traz a importância de selecionar adequadamente as espécies ou grupos-alvo e nos mostra que é possível utilizar outras espécies substitutas, quando a espécie-alvo é muito difícil de ser estudada ou amostrada.
Um outro estudo avaliou corredores de habitat para cinco espécies de mamíferos ameaçados nas florestas tropicais de Bornéu, analisando tanto as espécies individualmente quanto conjuntos de múltiplas espécies combinadas. Os autores sugerem que a conectividade de habitat para múltiplas espécies seja feita para combinação de grupos de espécies ecologicamente semelhantes e/ou igualmente sensíveis a perturbações do ambiente. É importante salientar que há uma demanda pelo desenvolvimento de metodologias analíticas capazes de considerar concomitantemente as necessidades de conectividade de múltiplas espécies de interesse.
Validação de análises de conectividade
Outro ponto-chave que levantamos no artigo de opinião é a importância de validar as análises de conectividade para garantir o uso da melhor ferramenta de tomada de decisão. Ou seja, após gerar um mapa de áreas com conexão, deve-se avaliar se essas áreas realmente são utilizadas pelos animais. Modelos não validados podem resultar em decisões de gestão imprecisas. A validação de modelos de perda de conectividade devido a estradas e a avaliação de efetividade da mitigação exigem a coleta de dados de movimento dos animais antes e depois da construção de estradas e em locais com e sem a presença de medidas de mitigação.
Exemplifico essa discussão com um estudo que comparou a performance de modelos de conectividade com dados de cruzamento das estradas de ursos-pretos com rádio-colares nos Estados Unidos. Eles encontraram que os cincos métodos avaliados foram bons, mas que um deles se saiu melhor (o que utilizou teoria de circuitos).
A fase de planejamento de novas estradas e/ou estruturas lineares precisa incluir avaliações mais adequadas da mudança de conectividade, especialmente em regiões onde o crescimento das estradas é desenfreado. Isso inclui a maioria das regiões tropicais, que compreendem a maior parte da biodiversidade mundial. Precisamos urgentemente prevenir ou minimizar as perdas de conectividade de projetos rodoviários presentes e futuros.
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