Por trás das risadas: superexposição de animais nas redes sociais é entretenimento ou exploração?

Vídeos em redes sociais mostrando interações entre animais e humanos, embora possam parecer divertidos e ingênuos, têm impactos profundamente prejudiciais aos animais e aos humanos.

Há um ano, publiquei um artigo aqui na coluna Universo Cetras do Fauna News, intitulado “Animais silvestres e a “febre do ouro” nas redes sociais“, para expressar minha crescente preocupação com um fenômeno que vem aumentando aceleradamente e que ameaça a fauna silvestre e a sociedade: a superexposição de animais nas redes sociais na busca desenfreada por likes e monetização.

De lá pra cá, sem que grande parte das pessoas e também de autoridades consigam dimensionar os prejuízos que essa prática pode alcançar, receio que o problema esteja se agravando.

Exposição de animais silvestres e interação com humanos

Além do perceptível aumento de pessoas postando imagens de interações com animais silvestres, muitos deles de origem ilegal, há também um aumento da diversidade de espécies sendo utilizadas nessa prática: macacos, papagaios, capivaras, gambás, sapos, felinos, entre outros.

Esses animais enfrentam uma série de ameaças que comprometem sua liberdade: o convívio e a reprodução com seus pares, seu bem-estar e até sua sobrevivência, com impactos sobre serviços ecológicos e ambientais por eles proporcionados à sociedade, gratuitamente.

Dentre os animais mais utilizados em divulgações digitais destacam-se os primatas e dentre eles os macacos-prego.

A utilização de macacos-prego em atividades de entretenimento é antigo. Historicamente, foram utilizados em circos, produções cinematográficas, comerciais televisivos, entre outros. Mas nos últimos tempos, com o advento das redes sociais, esse uso ganhou grande escala e alcance, suscitando um amplo e necessário debate sobre aspectos técnicos, legais e éticos sobre essas atividades.

Os macacos-prego são animais sociais e muito inteligentes, que precisam de ambientes adequados para desenvolver interações e criar vínculos sociais. Seu uso em entretenimento e recreação geralmente envolve confinamento, excesso de manipulação, servilismo, estresse e privação de suas necessidades naturais, levando-os à exaustão e a problemas de saúde. Gera-se também comportamentos estereotipados que, às pessoas inadvertidas, parecem engraçados, mas podem ser expressão de sofrimento do animal.

Manipulação e doenças transmissíveis

A manipulação e a exposição de primatas e de outros animais silvestres aumenta o risco de acidentes e de transmissão de doenças, tanto para os primatas quanto para as pessoas. Nesses acidentes, eles podem se machucar ou machucar alguém devido ao estresse por serem forçados a realizar atividades que não são de sua natureza. Mas esse contexto geralmente não é apresentado ao público e aos seguidores.

Outro aspecto relevante é que a superexposição de macacos-prego em mídias digitais pode gerar, e acredito que já esteja gerando, um aumento de demanda de mercado desses animais, o que, na maioria das vezes, será suprida por meios ilegais, ou seja, viabilizada pelo tráfico de fauna. Assim, o interesse em ver macacos-prego em atividades de entretenimento e expostos massivamente em redes sociais, associado à impunidade para quem os adquire e utiliza de forma ilegal, pode gerar um sentimento de “normalização” do tráfico de animais dessas espécies, levando à intensificação de captura de indivíduos da natureza para suprir a demanda.

Essa realidade, que por um lado acarreta a diminuição de populações selvagens que deveriam estar em seu hábitat natural, por outro leva ao aumento expressivo desses animais nos centros de triagem e reabilitação de animais silvestres ()Cetras, Cetas ou Cras). A esses centros chegam todos os anos centenas de macacos-prego provenientes de apreensões em ações de combate ao tráfico de fauna, de resgate após serem abandonados ou de entregas espontâneas por pessoas que desistem em mantê-los devido aos altos custos, às dificuldades de manejo, à ocorrência de acidentes, a problemas com a vizinhança, etc.

A exploração de macacos-prego e de quaisquer outras espécies em redes sociais consiste em mais uma ameaça à conservação, ao bem-estar animal e ao ordenamento jurídico ambiental brasileiro. Por isso é um tema que requer atenção urgente de instituições de diferentes esferas de poder, e das pessoas, que precisam fazer uma leitura mais crítica e ter uma postura mais ética em relação a esse universo oculto e muitas vezes obscuro das redes sociais.

Repito: “é preciso que a população perceba que, nas entrelinhas do que se vê em vídeos aparentemente ingênuos e genuínos, há o interesse de muitas pessoas que buscam ascensão econômica e poder por meio das redes sociais. É importante, por fim, que todos que trabalham pelo meio ambiente, pela conservação de espécies e pelo respeito e a ética na lida com a fauna levantem de maneira aguerrida a bandeira do combate à exploração de animais nas redes sociais para que esse tema não fique à margem da percepção da sociedade, de legisladores e de gestores públicos” e, acrescento, juristas e plataformas digitais também.

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