Pesca ilegal e predatória: nossa fauna e recursos pesqueiros em perigo

Um grupo de embarcações de pesca se aproxima do litoral sul brasileiro com velocidade média de cinco nós (em torno de 9,5 quilômetros por hora) e toma o cuidado de manter seus sistemas de identificação automático desligados para que elas não sejam rastreadas em nossas águas territoriais, ou mesmo em nossa Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Seu objetivo? Capturar, mesmo que de maneira ilegal, a maior quantidade de espécimes possível para suprir a demanda de 1.4 bilhão de pessoas de seu país.

À China pertence a maior frota pesqueira do mundo – apesar de não se ter o número exato, estima-se que seja em torno de 16.900 embarcações – superando a soma de seus concorrentes diretos: Japão, Espanha, Coreia do Sul e Taiwan. Ninguém duvida do seu raio de ação e poder predatório. Estão por todo o globo, desde o oceano Glacial Ártico, onde sua frota aumentou em muito a captura do krill – alimento básico das baleias – até a orla da ZEE da América do Sul.

Quase no meio do caminho, autoridades equatorianas relataram dados de apreensões de pesca ilegal nos arredores do santuário marinho das ilhas Galápagos entre os anos de 2017 e 2020. Uma das apreensões envolveu 300 toneladas de pescados, incluindo espécies ameaçadas como o tubarão-martelo e afetando direta e indiretamente a alimentação de mamíferos e aves.

A pesca é uma das atividades econômicas mais importantes e a base de muitas economias, principalmente locais. Tem como característica ser muito regulada, por uma única razão: os recursos marinhos são finitos.

A indústria da pesca chinesa

A pesca industrial usa, hoje, redes com quilômetros de comprimento. Soma-se a isso, a prática da atuação em conjunto de dezenas e até centenas de embarcações. Foram capazes de dizimar praticamente toda a vida marinha em grandes áreas de oceano, tais como, adivinhem, no mar do Sul da China. O primeiro passo após essa catástrofe econômica e ambiental, ocorrida já nos anos 2000, foi invadir as águas territoriais das Filipinas e do Vietnam a procura de áreas com alguma população marinha.

Após conflitos e, consequente, esgotamento de recursos, a segunda etapa foi a exploração da costa sul-americana do Pacífico, atingindo Equador, Peru e Chile. Não à toa os barcos chineses estão atuando nessa região e no entorno das ilhas Malvinas, pois as correntes frias agregam muitos nutrientes.

Raros são os países que ousam retaliar quando barcos chineses invadem suas águas territoriais, relata o Center for Strategic and International Studies, em Washington.

Casos de abalroamento de embarcações, inclusive brasileiras, em alto mar e ZEE de países, são comuns.

Confrontos com forças navais de alguns países já foram relatados: casos mais recorrentes acontecem na costa sul-coreana, da Indonésia e da África do Sul. Compõem as frotas, embarcações levando “milicias civis” preparadas para o confronto ou para simplesmente intimidar pesqueiros locais e autoridades. Seguranças armados e embarcações médicas de apoio são vistas regularmente. Em 2016, um pesqueiro chines foi afundado pela marinha argentina quando violava seu mar territorial.

A China tem as piores pontuações no mundo em pesca ilegal. O país não declara seus dados e não regulamenta seus procedimentos em face das legislações de outras nações.

Embarcações estrangeiras no litoral brasileiro

Como sabemos, nossa incapacidade de fiscalização em determinadas áreas é imensa. Por um lado, o aporte financeiro pequeno acaba por gerar deficiências administrativas e operacionais. Por outro, alguns pescadores industriais insistem em burlar a fiscalização, pescando em períodos de defeso, em áreas de conservação e com uso de petrechos ilegais e desligando os dispositivos de localização. As embarcações pesqueiras cadastradas no PREPS (Programa de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite), que operam em áreas proibidas, colocam uma panela de cozinha encobrindo a antena do localizador – aqui no Brasil a prática é conhecida por “Menino Maluquinho”, em alusão ao personagem do Ziraldo que usa uma panela na cabeça.

Nossa fragilidade é evidenciada, também, por questões políticas: somos um dos últimos santuários do atum-azul (Thunnus thynnus) e a maior parte dessa espécie é capturada por embarcações japonesas. No governo brasileiro de 1995 a 1998, um diretor do antigo departamento de pesca criou um Marco Regulatório que permitia barcos estrangeiros pescarem o atum na costa brasileira. Coincidentemente, quando esse diretor saiu do governo, ele abriu uma grande empresa que acabou se tornando a maior concessionária de licenças para navios estrangeiros.

Fora do contexto legal – algumas vezes duvidoso -, frotas chinesas estão avançando em águas internacionais e se aproximando perigosamente do litoral brasileiro. Estima-se que cerca de mil navios pesqueiros com bandeira chinesa, que no último ano estavam operando nas costas do Atlântico Sul, longe de águas brasileiras, agora já atuam em nossa ZEE. Os prejuízos para a atividade pesqueira nacional são ainda inestimáveis, principalmente quanto à pesca artesanal em nosso litoral. Milhares de brasileiros que vivem nas regiões costeiras dependem dessa atividade para sustentar suas famílias.

Como se não bastasse nossas dificuldades financeiras e operacionais, as embarcações chinesas – como citei no início do artigo – têm por hábito um subterfugio usado por aqueles que desejam cometer irregularidades: desabilitam o Sistema de Identificação Automático das embarcações para que o rastreamento não as localize em águas territoriais de outras nações. Esses dados são compartilhados e rastreados em convenio com a Global Fishing Watch e visam gestão pesqueira, controle dos estoques e, principalmente, diminuir a pesca ilegal.

Lembrando que, apesar da existência de acordo internacional contra a pesca ilegal – que entrou em vigor em 2016 e conta com quase 30 países -, China e Japão não aderiram.

Estudos afirmam que em um único dia, um arrastão chinês (navio de pesca) com alta tecnologia pode capturar sozinho até cinco vezes mais peixes do que uma frota inteira de uma pequena vila de pescadores locais consegue em um ano. Além da pesca predatória, esses arrastões também são acusados de causar severos danos às espécies protegidas e ameaçadas. Animais de algumas espécies como tubarões, arraias e tartarugas são capturados e logo depois são descartados ou vendidos ilegalmente, ameaçando o ecossistema marinho e a biodiversidade. Lembrando que nossa legislação determina que espécies protegidas são consideradas fauna e não recursos pesqueiros e, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os países costeiros têm jurisdição sobre os recursos naturais dentro de suas ZEE. Isso significa que os barcos estrangeiros são livres para navegar, mas não para pescar.

No Brasil, a exemplo de outros países, órgãos governamentais já estudavam e monitoravam alguns comportamentos criminosos adotados, como o uso de empresas de fachada para registro de embarcações como sendo locais e a influência direta em comunidades de pesca através de financiamentos. Em algum momento, os poderes econômicos e políticos se cruzam; é inevitável.

Devemos tomar cuidado para não retornarmos, com relação aos recursos pesqueiros, a um sistema feudal, em que acabaríamos com os pescadores artesanais, diminuindo o pequeno mercado e criando um sistema monopolizado. Passaríamos a pagar caro por peixes do nosso litoral. Passaríamos a servir a um senhor e não a uma causa.

Em momentos em que uma congressista americana sugere que esvaziemos a Amazônia para que a região fique “intocada”, devemos lembrar que existe vida por aqui e as pessoas se alimentam para viver. Qual o nível de ignorância as pessoas precisam ter para não entender que essas comunidades costeiras precisam sobreviver e que muito da economia desses locais – pequenos municípios – dependem da pesca. A pesca artesanal e nossa pequena pesca industrial – comparada com as grandes potências do setor – representa muito pouco em relação à pesca industrial feita por esses grandes navios pesqueiros, inclusive navios-indústria.

Referências

• Le Monde Diplomatique, edição 160
• Canal Hoje no Mundo Militar, América do Sul Cercada
• Canal Professor HOC, Ameaça chinesa nas águas sul-americanas
• Poseidon Aquatic Resource Management Ltd.
• Overseas Development Institute (ODI)

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados 
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).