Pensamentos sobre ética e inclusão afins à educação ambiental

Suzana Padua, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, relaciona diversos autores que trabalham com inclusão e pertencimento à educação ambiental.

Suzana Padua

Doutora em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília e mestra em educação ambiental pela Universidade da Flórida (EUA). Atua em educação ambiental desde 1988, quando criou um programa no Pontal do Paranapanema (SP) ligado a áreas naturais, espécies ameaçadas e envolvimento das comunidades locais. Realiza pesquisas em educação ambiental e publicou inúmeros trabalhos no Brasil e no exterior. É co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade – ESCAS, por meio da qual a instituição oferece cursos de curta duração em diversos campos socioambientais, mestrado e MBA.
Suzana é fellow Ashoka, líder Avina, empreendedora social da Fundação Schwab e Folha de S. Paulo, scholar do Russel E. Train Education for Nature (WWF-US), membro da Comissão de Educação e Comunicação da IUCN. Recebeu prêmios nacionais e internacionais como: UBS Global Visionaris em 2019, UBS Visionaris em 2017, Wildlife Conservation Award do Cincinatti Zoo & Botanical Garden em 2016, Empreendedores Sociais 2009 da Folha de S. Paulo e Fundação Schwab, X Prêmio Cidadania Mundial Bahá’i de 2007, Prêmio Ford Motor Company de Conservação Ambiental em 2006, Prêmio Mulheres Mais Influentes do Brasil pela Forbes, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil em 2005, Revista Claudia de 2002; Ambientalista da Conde Nast Traveler dos EUA em 2003, entre outros.
Currículo Lattes de Suzana

06 de julho de 2023

Pensamentos sobre ética e inclusão afins à educação ambiental
Inclusão tem relação com educação ambiental por conta do processo de formulação de uma ética que se baseia no respeito e na celebração das diversidades. A incorporação desses valores pode levar a adoção de comportamentos solidários e a participação cidadã.

Não basta saber. Ações participativas e conscientes de respeito entre os seres humanos e entre esses e a natureza dependem de posturas inclusivas. Para que isso ocorra é preciso tocar profundamente o lado sensível das pessoas e trazer conhecimentos que sustentem esse novo modo de educar. Despertar sensibilidade, criatividade e valor da dimensão coletiva é fundamental para o desenvolvimento de capacidades que levem à inclusão de todos, com a compreensão da interligação da teia de vida da qual fazemos parte.

O aprendizado inclui um lado teórico e outro prático. Como formular diagnósticos de problemas e engajamento em processos de mudanças e formas de lidar com visões divergentes, o que possibilita a busca por soluções compartilhadas (Padua, 2001; Padua e Sá, 2002).

Glazer (1999) chama a atenção para a importância de se ter um senso de identidade, que considera indispensável ao fortalecimento pessoal. Na educação tradicional prepondera um aprendizado estabelecido de fora para dentro, sendo o professor o que sabe tudo e o aprendiz seu receptor. Essa prática é interpretada como imposição ou doutrinação. Já o que emerge de dentro para fora, que brota da experiência, de valores e conhecimentos, é compreendido como expressão. Sendo assim, o verdadeiro educador é aquele que estimula a melhor expressão de cada um, num processo de reconhecimento de talentos individuais que beneficiem a coletividade (Padua, 2000; 2001; Padua e Sá, 2002).

Educação ambiental e o pensamento de Martin Buber

O reconhecimento da importância de posturas inclusivas se afiniza com a visão filosófica de Martin Buber (1974). Segundo Buber, o âmago do existir está na relação, que é a maneira pela qual a pessoa evolui, se manifesta. A verdadeira relação só se estabelece plenamente quando um ser está com o outro em sua dimensão integral.

Buber (1974) classifica essa postura como “Eu-Tu”, possível quando ambos os seres interagem reciprocamente em total inteireza. É na alteridade que o ser humano encontra seu valor intrínseco, sua existência plena e sua potencialidade para aflorar. O respeito intrínseco à vida é nutrido naturalmente e as atitudes frente ao mundo passam a ser de trocas genuínas.

Nessa concepção, o Buber explica as crises entre indivíduos, nações e entre seres humanos e a natureza provocadas por relações que distanciam. Quando não há reciprocidade e reconhecimento da integridade do outro (que inclui a natureza), quando o outro é visto como um cumpridor de uma determinada função, quase como um objeto, Buber (1974) classifica a relação de “Eu-Isso”. Nesse sentido, a natureza é vista como um recurso que supre os desejos da humanidade e trazem distanciamento na convivência.

Segundo Buber (1974), é o coração que concentra o ser, o senso moral e o espírito. Abrir o coração significa permitir-se uma abertura para a experiência além do imediato. É deixar penetrar uma forma de saber silencioso, onde a luz da compreensão brilha antes da formulação e da interpretação mental. Assim, num diálogo verdadeiro o ser se volta ao outro genuinamente com o endereçamento do coração. Quem dialoga precisa estar disposto a abrir seu coração e a amar.

Essa concepção assemelha-se ao pensamento de Paulo Freire (1979), que defende uma educação baseada no diálogo, que por sua vez depende de uma relação horizontal entre seres que se nutrem “de amor, de humanidade, de esperança, de fé e de confiança” (1979:68). Nessa premissa, quando os dois polos dialogam verdadeiramente, se ligam com base em amor, esperança e fé no próximo. A comunicação, assim, é indispensável para a construção consciente da realidade e depende de posturas amorosas, críticas, esperançosa, confiantes e criadoras.

O respeito se torna fundamental, principalmente quando se pensa na vida em comunidade, que Buber (1987) entende como uma construção humana, cujo elemento de vínculo comum é a terra, um bem comum que deve ser compreeendido por todos. Comunidade é a aproximação de seres humanos abertos a darem e receberem. Viver em comunidade é viver relação e diálogo.

Mais uma vez esse pensamento tem consonância com Freire (1992:51) que acredita que as relações do ser humano com a realidade são “resultantes de estar com ela e estar nela”. Segundo o autor, é nessa relação que se humaniza e que se faz cultura.

Por não ocorrer espontaneamente, é preciso construir comunidades em que se predomina o “Eu-Tu”, tornando o educador agente central de disseminação desses princípios. O individual não é dissociável do coletivo, pois o cidadão deve estar, desde cedo, relacionado ao seu meio de forma natural e participativa. A educação depende, segundo Buber (1987), não do ensino da ética, mas de sua prática.

São muitos os aspectos do pensamento de Martin Buber (1974; 1987) que se assemelham às propostas da educação ambiental. Por exemplo, ao ressaltar a importância do experienciar na aprendizagem, sua ideia coincide com a educação ambiental, que vê na experiência direta um meio de fomentar um senso de pertencimento com o mundo. Isso pode levar à responsabilidade e à criatividade na resolução de problemas ligados à coletividade e à natureza. A educação inserida na comunidade passa a ser propiciadora da interação entre as pessoas e o meio, e entre o individual e o coletivo, o que pode despertar responsabilidade para com o todo.

Pontos de convergência entre o pensamento de Buber (1974;1987) e a educação ambiental que merecem ser ressaltados:

a reverência à vida com inclusão de todos os seres;
o valor da relação com inteireza e respeito;
o senso de engajamento da pessoa com a comunidade onde vive;
a preocupação com o todo que parte da responsabilidade individual com o coletivo; e
a prática de princípios éticos que podem ter no professor o melhor modelo de aplicação.

Ao incorporar essas dimensões mais amplas, a educação ambiental se torna um caminho para um ensino novo, no qual o intuitivo é somado ao racional, a criatividade é estimulada para que cada um reconheça seu talento e seu poder criador, aumentando autoestima e potencial transformador (Padua, 2000; 2001).

Valores como respeito e solidariedade fazem parte desse novo pensar. Amplia-se o valor à vida, não só humana, mas de todos os seres. Nessa visão, o ser humano se percebe como um elemento dentro de um todo maior, fazendo sentido a adoção de atitudes de respeito diante dos sistemas vivos existentes.

Ecologia Profunda na educação ambiental

Outra abordagem que converge para a compreensão inclusiva da educação ambiental é a Ecologia Profunda, proposta por Arne Naess (1995), cuja ênfase está́ na preocupação da vida no planeta e nos aspectos que podem influenciar a forma com que os elementos integram o todo. Naess considera aspectos que influenciam as inter-relações entre seres humanos e entre a espécie humana e a natureza:

rejeição da visão do ambiente a partir do ponto de vista estritamente humano, em favor de uma concepção abrangente que inclui todos os seres e suas interligações;
equidade biosférica sempre que possível, o que pressupõe respeito, mesmo quando alguma forma de vida é sacrificada, e atenção em proporcionar espaços suficientes para a sobrevivência digna de cada ser;
defesa da diversidade e da simbiose, que significa o desenvolvimento de potenciais de sobrevivência e chances de novas modalidades de vida evoluírem, não em decorrência da competição destrutiva, mas com a habilidade de coexistir e cooperar;
postura anticlasse, que significa que mesmo havendo diferenças entre seres humanos em decorrência de sua individualidade, situação aplicável aos demais seres encontrados na natureza, permite-se a cada um a chance de coexistir em seu ambiente natural;
oposição à poluição e à degradação ambiental, que exige uma consciência profunda dos efeitos de práticas degradantes e a percepção dos benefícios que decorrem de medidas antipoluentes;
complexidade e não-complicação, uma vez que a natureza evolui em ambientes de alta complexidade e pouca complicação em seus sistemas organizacionais, o que demanda compreensão e humildade face ao que se desconhece, além de respeito que evite a interrupção da vida sistêmica;
autonomia local e descentralização, que podem ajudar a evitar impactos ecológicos e interferências na vida de um determinado sistema, devido a tomadas de decisões em regiões afastadas e por agentes que desconhecem os contextos em que as ações terão efeitos, além de propiciar a redução dos elos hierárquicos das esferas de decisão.

As questões se complementam, mas essencialmente a Ecologia Profunda se baseia na inclusão de todos os seres vivos. O ser humano é, assim, mais uma espécie da teia de vida e não “a espécie”, como tem sido a tônica preponderante em grande parte do mundo “civilizado”.

A teoria de Gaia

A visão holística tem sintonia com outros pensadores que já vinham descrevendo a interação da vida, como a teoria de Gaia proposta por Lovelock (1979). Mesmo tendo sido criticado no mundo científico na época em que a concebeu, sua teoria foi um marco por compreender o planeta como um ser vivo, cujos elementos estão conectados e precisam estar sadios para que o todo funcione e se manifeste plenamente.

Essa compreensão pode aguçar o respeito e o senso de reverência que estimulam o entusiasmo de se assumir novas responsabilidades. A educação ambiental se torna chave porque chama a atenção para a importância de cada um contribuir para um mundo mais ético e para sua responsabilidade de se engajar em processos que visam um bem maior, em que o respeito pela vida é prioridade (Stapp et alli., 1996).

Brandão (1995: 224) poeticamente define a educação ambiental como

(…) um preparo profético de uma imensa abertura de nossas possibilidades de comunicação com a vida e os seres humanos. É um exercício antecipado de partilha, portanto, do desejo de ampliar até dimensões infinitas a vocação de convivência generosa, fraterna, entre os homens e entre os homens e todos os seres da vida.”

A inclusão das questões ambientais como fundamento da educação para a cidadania condiz com a noção de sua abrangência para dispensar o adjetivo “ambiental”. Mas como isso ainda não ocorre, é a educação ambiental que tem incorporado sistemas de aprendizado que utilizam reflexões críticas quanto à importância da participação para que pessoas e grupos sociais tenham mais chances de escolher seus destinos de maneira mais consciente.

Referências
– BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Em campo aberto. São Paulo: Cortês Editora. 1995.
– BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro Editora. 1974.
– _________. Sobre comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva. 1987.
– FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra. 1979.
– GLAZER, Steven. The heart of learning: spirituality in education. New York: Penguin Putman Inc. 1999.
– LOVELOCK, James. Gaia: a new look at life on Earth. Oxford: Oxford University Press. 1979.
– NAESS, Arne. Self-realization: an ecological approach to being in the world. In: The deep ecology movement: an introductory anthology. DRENGSON, A. e Y. INOUE (organizadores). Berkeley: North Atlantic Books. 1995. p.13-30.
– PADUA, Suzana. Reflexões sobre o panorama da educação ambiental no ensino formal. Brasília: COEA, MEC, 28 e 29 de fevereiro. 2000.
– _________. Educação Ambiental e Participação Comunitária: chaves para a conservação da biodiversidade. In: Empreendedores sociais em ação. M. de ROURE e S. PADUA (orgs.). São Paulo: Cultura Editores. 2001. p. 183-201.
– _________e SÁ, Laís Maria Borges Moura. O papel da Educação Ambiental nas mudanças paradigmáticas da atualidade. Revista Paranaense de Desenvolvimento. 2002. 71-83.
– STAPP, W., WALS, A. STANKORB, S. 1996. Environmental Education for Empowerment: Action Research and Community Problem Solving. Iowa: Kenda. Hunt Publishing Company.

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no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).

Sobre o autor / Suzana Padua

Doutora em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília e mestra em educação ambiental pela Universidade da Flórida (EUA). Atua em educação ambiental desde 1988, quando criou um programa no Pontal do Paranapanema (SP) ligado a áreas naturais, espécies ameaçadas e envolvimento das comunidades locais. Realiza pesquisas em educação ambiental e publicou inúmeros trabalhos no Brasil […]