
Bióloga e veterinária com especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens. É coordenadora dos programas de proteção à fauna da Rumo Logística.. Integra a REET Brasil
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A mitigação dos impactos à fauna, causados pela implantação de estradas e ferrovias, tem sido amplamente debatida entre pesquisadores, empreendedores e órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento e pela fiscalização desses empreendimentos. Dentre os impactos causados pelas ferrovias, destacam-se o efeito barreira, os atropelamentos e o aprisionamento de animais entre os trilhos, como ocorre com os quelônios (cágados, tartarugas e jabutis).

O aprisionamento e a morte de quelônios em ferrovias têm sido relatados em diversos países. O acesso desses animais aos trilhos é facilitado por passagens em nível, local onde há o cruzamento entre o modal ferroviário e rodoviário.
Uma vez entre trilhos, a possibilidade de fuga é baixa, principalmente para quelônios de menor porte. Estudos sobre o comportamento desses animais expostos à uma barreira física apontaram que os indivíduos preferem percorrer toda a extensão do obstáculo do que tentar superá-lo, isso porque as particularidades anatômicas desses répteis, como a presença de uma carapaça rígida e de membros locomotores curtos, conferem-lhes baixa capacidade para transposição desses obstáculos.
Os dados de monitoramento de fatalidades em ferrovias mostram que a maioria das carcaças de quelônios encontradas entre trilhos não apresenta qualquer indício de trauma causado por atropelamento, reforçando a hipótese de que o óbito se dá como consequência do rápido aumento da temperatura corporal dos animais aprisionados dentro da via. Sabe-se que até mesmo em dias mais amenos, a temperatura da via pode superar 50°C, conforme já observado em ferrovias do Tocantins e do Rio Grande do Sul.
Frente a isso, a adoção de medidas mitigadoras para este tipo de impacto, tão específico, torna-se um desafio.
As primeiras passagens projetadas para quelônios em ferrovias surgiram de uma parceria entre a Greenbush Line Commuter e a Massachusetts Bay Transportation Authority, em 2003. Diversos estudos testaram e implementaram diferentes protótipos para travessia desses animais. No Brasil, os primeiros testes iniciaram no Rio Grande Sul, em 2016, com a instalação de canaletas de zinco em zonas mapeadas como críticas de fatalidades para tigres-d’água (Trachemys dorbigni), uma espécie de tartaruga de água doce, endêmica do extremo sul do país.

De 2016 para cá, os designs dos protótipos brasileiros foram aperfeiçoados, considerando uma gama de fatores, como a utilização de outros tipos de materiais, a necessidade de sinalização da via para as equipes de manutenção e as particularidades das diferentes espécies encontradas nas demais regiões do país.

Todavia, sabemos que diferentes espécies possuem diferentes necessidades e, no ano de 2018, um teste realizado em uma ferrovia situada no Tocantins comprovou que quelônios terrestres, como o jabuti-piranga (Chelonoidis carbonarius), na maioria das vezes, evitam descer em canaletas que apresentem degraus ou declives acentuados. Para esse grupo, portanto, é necessária a instalação de uma rampa para encorajar a descida e a evasão sob trilhos.

Os primeiros resultados obtidos após a instalação dessas estruturas mostraram que tanto o tigre-d’água, quando o jabuti utilizaram suas passagens de forma adequada, conforme flagrante realizado pela concessionária responsável por essas ferrovias:
Tigre-d’água utilizando passagem – Vídeo: Rumo Logística.
Jabuti utilizando passagem – Vídeo: Rumo Logística
Nota-se que a instalação desse tipo de passagem em ferrovias não necessita de grandes investimentos, possui baixa complexidade e facilidade de instalação e manutenção. Os experimentos com protótipos de passagens para quelônios têm sido promissores e diversos testes para comprovação da efetividade estão em andamento. Acredita-se que outras espécies de menor porte também possam se beneficiar com a presença dessas estruturas ao longo da via, seja para evasão ou para incremento da conectividade.
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