Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Em 2020, após uma severa seca, o Pantanal sofreu com incêndios florestais. Muito dos animais que sobreviveram à seca e ao fogo sofreram com a fome cinzenta – no ambiente destruído, em meio à vegetação queimada, não se encontrava alimentos.
Governo federal, estaduais, proprietários rurais e ONGs se uniram no esforço de combate aos incêndios, resgate de animais queimados e apoio no fornecimento de alimento e água aos sobreviventes. Mas a extensão da área queimada e a ausência de acesso a inúmeros pontos dificultou resgates e distribuição de comida. Assim, embora o esforço conjunto tenha repercutido na sobrevivência de milhares de animais, outros tantos ficaram sem assistência. Nunca no Brasil, porém, houve tamanha confluência de esforços em uma atividade de manejo de conservação de fauna.
Os erros, os acertos e a experiência adquiridas, com certeza, melhor prepararam as instituições para responderem a novas emergências. O caso do Pantanal, por exemplo, demonstrou àqueles que combatem incêndios que não são apenas as árvores que queimam. Pareceria óbvio, mas nem sempre o óbvio é considerado.
Mas o que esperamos para 2021? O cenário é preocupante.
O Pantanal não encheu como de costume, já impingindo aos animais o segundo ano consecutivo de uma seca rigorosa. Ainda estamos em junho e vários corixos (canais que ligam as águas de baías, lagoas e alagados com os rios) já estão secando, enquanto outros nem sequer encheram. Também já se encontram jacarés magros e mesmo morrendo em decorrência da ausência de peixes nesses corixos. Com uma cheia tímida, os peixes não entraram em quantidade e, com a seca, ocorre a falta de alimento.
Mas não são apenas os animais silvestres que sofrem e sofrerão. O padrão é que pecuaristas não se preparem para a seca, seja se prevenindo com a compra de caminhões-pipa ou armazenando alimento (ração ou feno). Como resultado, durante a estação seca o gado sofre com fome e sede. Todos emagrecem significativamente e vários sucumbem. Mas essas perdas estão devidamente contabilizadas e contrapostas aos custos de suporte aos animais durante o período. Deixar alguns morrerem é mais vantajoso do ponto de vista econômico. A essa situação se somam todos os outros maus-tratos cometidos durante a produção de carne no Brasil.
Também podemos lembrar que este mesmo pecuarista que perde inúmeros animais para a seca, é aquele que se irrita e muitas vezes retalia com a caça de onça quando alguma cabeça é predada pelo felino. A alardeada e pitoresca convivência pacífica do homem pantaneiro com a fauna local nem sempre é tão pacífica assim.
A seca severa traz outro risco: um novo e grande incêndio. Proprietários ainda usam o fogo como ferramenta de limpeza do pasto. É um método arcaico e arriscado, mas barato e, por isso, ainda muito usado. Em 2020, a queimada não se manteve nos pastos. Ela atingiu as matas e os capões, matando animais silvestres. Mas ela também não se limitou aos danos à vida selvagem: destruiu cercas, pontes, matou gado e quase atingiu pousadas e residências. Talvez em razão disso, em 2021, os proprietários sejam mais sensatos e não provoquem queimadas.
Mas infelizmente, já vi pequenas queimadas no Pantanal. Gostaria de achar que aprendemos. Gostaria de achar que somos melhores. Gostaria de ser otimista. Entretanto, acho que nova tragédia se avizinha este ano. Tomara que eu erre.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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