OS SILVESTRES E A NOSSA SAÚDE – Alterações ambientais fazem surgir zoonoses

30 de março de 2020

Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica veterinária, mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutora em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anáplois (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
nossasaude@faunanews.com.br

As infecções microbiológicas adquiridas de animais, conhecidas como zoonoses, representam um risco para a saúde pública. Estima-se que 60% dos patógenos humanos emergentes são zoonóticos. Desses patógenos,  71% têm origem na vida selvagem.

Esses micro-organismos podem mudar de hospedeiro e adquirir novas combinações genéticas que têm potencial patogênico alterado ou por mudanças de comportamento ou por características socioeconômicas, ambientais e ecológicas dos hospedeiros humanos. Existem fatores causais que influenciam a dinâmica associada ao surgimento ou reemergência de zoonoses.  Uma zoonose emergente define-se por “um patógeno que é recentemente reconhecido ou recentemente evoluído, ou que ocorreu anteriormente, mas mostra um aumento na incidência ou expansão na faixa geográfica, hospedeira ou vetorial”. Através de alterações contínuas na demografia de seres humanos e dos animais, além das mudanças ambientais, é provável que continuem a surgir doenças novas e recorrentes.

Os efeitos das zoonoses na saúde e na economia humanas foram recentemente ressaltados por surtos notáveis, como os que vivenciamos atualmente, a Covid-19. Estudos  enfatizaram o papel da vida selvagem como fonte de infecções emergentes. No entanto, os esforços de pesquisa geralmente têm sido focados em seres humanos ou em espécies com importância econômica.

A frequência desses eventos aumentou substancialmente ao longo dos períodos pesquisados. Para alcançar o crescimento populacional humano,  temos uma demanda crescente por suporte nutricional, resultando em práticas agrícolas e pecuária intensivas, às vezes envolvendo um grande número de animais ou várias espécies cultivadas na mesma região. Essas práticas podem facilitar a infecção a atravessar barreiras entre espécies. Além disso, estamos testemunhando uma crescente globalização, com pessoas, animais e seus produtos se movendo pelo mundo. Esse movimento permite a disseminação sem precedentes de infecções em velocidades que desafiam os mecanismos de controle mais rigorosos.

Além disso, a invasão contínua de seres humanos em habitats naturais por expansão populacional ou turismo leva os seres humanos a novos ambientes ecológicos e oferece oportunidade para nova exposição zoonótica. As mudanças climáticas facilitaram a expansão de condições compatíveis para alguns vetores de doenças, a evolução de patógenos e, quando relevante, seus vetores. Eventos contínuos de mutação e recombinação dão origem a variantes com níveis alterados de aptidão para persistir e se espalhar. Mudar as circunstâncias ecológicas e a diversidade de patógenos pode dar origem a variantes com potencial patogênico alterado.

O desmatamento e o desenvolvimento de habitats naturais ocorrem em escala global para acomodar a intensificação da agricultura e áreas de vida para os seres humanos. Como resultado, os habitats ecológicos foram interrompidos e a dinâmica da transmissão foi alterada. A abundância reduzida de hospedeiros pode forçar os vetores a procurar hospedeiros alternativos, aumentando as oportunidades de transmissão da doença para seres humanos.

Turismo
Muitas áreas estão agora experimentando um ressurgimento de patógenos zoonóticos, em parte resultantes do colapso dos programas de saúde pública durante os distúrbios políticos. Muitas vezes, essas áreas atraem cada vez mais aqueles que procuram destinos de férias aventureiros ou incomuns. O atraso no desenvolvimento de sinais clínicos e o início freqüentemente insidioso podem desafiar o diagnóstico e o manejo adequados do paciente.

Viajar para outros países abre uma série de novas exposições zoonóticas em potencial através do contato direto ou indireto com alimentos ou vetores de artrópodes (como os insetos). Locais cada vez mais exóticos estão sendo procurados e alguns turistas consomem iguarias locais adquirindo diversas zoonoses.

Muitas zoonoses podem ser consideradas infecções oportunistas. Demandas crescentes por proteína requerem níveis crescentes de agricultura. Os alimentos podem fornecer um veículo para a propagação de patógenos de animais para seres humanos. O contato com animais durante o cultivo, a caça ou por mordidas de animais pode aumentar a transmissão de doenças.

É provável que o ressurgimento de doenças através da troca oportunista de hospedeiros continue como uma importante fonte de doenças infecciosas humanas. As estratégias para melhorar a saúde pública concentraram-se na melhoria da vigilância em regiões com alta probabilidade de doença (reemergência). Essas estratégias incluem detecção aprimorada de patógenos em reservatórios, identificação precoce de surtos, incentivo à pesquisa para constatar fatores que favorecem o ressurgimento e controle eficaz , ou seja, quarentena e higiene aprimorada.

O atendimento às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) é primordial para o controle e disseminação de doenças. A vigilância de doenças humanas deve estar associada a uma vigilância veterinária aprimorada em animais produtores de alimentos e na vida selvagem. A pronta detecção e instigação de medidas de controle, como a vacinação, são fundamentais para evitar a propagação de doenças.

Newsletter do Fauna

Resumo semanal do que foi notícia no
universo dos animais silvestres.

Busca

Fauna ZAP
1
Olá! Eu quero receber as notícias do Fauna News. 😃 🐾