Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaborada do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Milhares de animais morrem atropelados nas rodovias do mundo inteiro todos os dias. Além das mortes por atropelamento, sabemos que outros impactos causados pelas rodovias também são bastante severos para a biodiversidade. O que gostaria de explorar hoje é que a degradação ambiental causada pelas rodovias também pode levar à morte centenas de animais.
Antes de contar uma história, é interessante saber um pouco sobre o protagonista: o salmão. Salmões são peixes migratórios que nascem em água doce e vão para o oceano viver a vida adulta. Quando estão prontos para reproduzir, eles voltam ao rio de origem para desovar. Fêmeas de algumas espécies de salmões do Pacífico morrem após a desova. A jornada de migração do salmão não é muito simples, podendo chegar a longas distâncias e às vezes ter obstáculos difíceis de transpor.
A história se passa nos Estados Unidos, na região de Seattle, onde anos atrás alguns riachos e rios urbanos passaram por programas de restauração visando o retorno dos salmões adultos nessas áreas. Eventos anormais foram observados e o que se viu foram salmões com comportamentos bastante estranhos, como nadando em círculos ou tombando. Ainda foi observado que os salmões morriam antes mesmo de conseguirem desovar e que, provavelmente, foram perdidos quase 90% dos animais em alguns riachos.
A Ciência é uma atividade que precisa de tempo e de muitas tentativas até encontrar a resposta que se procura. A busca pela causa das mortes desses salmões-do-Pacífico-Norte (Pacific Northwest coho salmon – nome científico: Oncorhynchus kisutch) é um bom exemplo disso. As pesquisas começaram com o indicativo de que haveria algum contaminante na água. Foram necessárias muitas e muitas tentativas e especialistas de diferentes áreas para chegarem a um culpado: um antioxidante usado mundialmente na borracha dos pneus (6PPD-quinone).
Essa descoberta foi publicada neste mês e repercutiu em alguns jornais no mundo(New York Times e The Guardian): os pneus dos carros estão matando os salmões-do-Pacífico-Norte. O artigo traz toda a explicação de como foram isolados e avaliados os tão complexos elementos químicos que estão envolvidos nessa situação, mas traz também algumas evidências que mostram que pneus velhos podem ser mais tóxicos que pneus novos para algumas espécies de peixes e outros organismos aquáticos.
Globalmente, mais de três bilhões de pneus são produzidos por ano para os nossos mais de 1,4 bilhão de veículos. A emissão de partículas tóxicas é extremamente alta e o trabalho apresenta uma análise em que boa parte das águas periurbanas nas regiões avaliadas estão com concentração altas de toxicidade para espécies de animais sensíveis a elas.
Mas como esse produto químico tóxico vai parar nas águas dos rios?
A resposta a essa pergunta está relacionada à Síndrome do Riacho Urbano, uma expressão usada para descrever a degradação ambiental desses corpos d’água inseridos nas áreas urbanas, sendo um dos sintomas a alta concentração de poluentes nessas águas. Os poluentes das mais variadas origens (pneus, pavimento, combustível e lixo) são carreados pela água da chuva em direção aos rios e riachos e os animais que habitam essas áreas ficam expostos e acabam se contaminando.
Se esses poluentes levam peixes e possivelmente uma gama maior de organismos aquáticos, como crustáceos e anfíbios, à morte, é provável que os efeitos possam ser sentidos em maior e menor grau por todo o ambiente, tanto pela fauna quanto pela flora. A descoberta do porquê os salmões estavam morrendo nos mostra que os pneus dos veículos não só matam pela colisão direta com animais, como matam até mesmo animais que aparentemente poderiam não ser afetados pelo impacto de mortalidade em estradas. Quem diria que a nossa corrida nas estradas interferiria tão negativamente na corrida dos salmões?
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