
Por Juliana Lopes Vendrami¹ e Andréa Almeida²
¹Bióloga e mestra em Ecologia. É analista portuária-bióloga na Portos do Paraná e integrante da REET Brasil
²Bióloga, mestra em Ecologia e Recursos Naturais e pós-graduada em Direito e Gestão Ambiental. Está concluindo MBA em Gestão da Qualidade, Saúde, Meio Ambiente e Segurança. É analista portuária-bióloga na Portos do Paraná e integrante da REET Brasil
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O lastro é um peso usado para garantir a estabilidade das embarcações durante a navegação e nas operações de carga/descarga, uma vez que possibilita manter o calado (distância entre a linha d’água e o ponto mais baixo da embarcação) e, consequentemente, o equilíbrio da embarcação frente às oscilações dos corpos hídricos (ondas, correntes marítimas).

Com o advento de navios com cascos de aço e cada vez maiores, a partir do século XIX, adotou-se a água como lastro. Assim, a água de lastro é armazenada em diversos tanques distribuídos ao longo da embarcação. Um sistema de bombas e válvulas permite que os navios possam capturar e descartar a água no ambiente onde navegam (lastrear e deslastrear, respectivamente).
E para manter a estabilidade da embarcação, os tanques de água de lastro são enchidos ou esvaziados, ponderando o peso da carga a ser transportada.

Apesar de ser um processo de extrema importância para o transporte aquaviário mundial, ao lastrear uma embarcação em um porto, que normalmente fica localizado em áreas mais protegidas, como baías, diversos organismos são capturados juntamente com a água (como bactérias, fungos, protozoários, ovos e larvas, esporos, cistos) e acabam sendo transportados para outras regiões no mundo. Ao deslastrar em outro porto, os organismos que sobreviveram ao transporte (apesar dos tanques serem um ambiente com pouco oxigênio e sem luz solar), ao encontrarem condições abióticas propícias para o seu crescimento, associadas a ausência de predadores/competidores, têm o potencial de se tornarem invasores.
Esse processo de bioinvasão pode ter consequências negativas para a fauna local, devido a perda da biodiversidade e ao desequilíbrio ecológico. Ademais, alguns desses organismos podem ser patógenos, comprometendo assim a saúde humana das comunidades locais.
Além dos impactos ecológicos, a bioinvasão pode acarretar enormes prejuízos econômicos.
No Brasil, um dos casos mais famosos de espécie invasora é o do mexilhão-dourado (Limnoperma fortunei), que tem sua chegada à América do Sul associada com dispersão através de água de lastro. Essa espécie é originária da Ásia e os primeiros registros na América do Sul foram na Argentina, se proliferando na foz do Rio da Prata até chegar aos rios Paraguai e Paraná. O mexilhão-dourado foi registrado no Brasil pela primeira vez no Rio Grande do Sul, chegando até o lago de Itaipu e afetando inclusive as rotinas de manutenção da Usina de Itaipu, que é obrigada a ter suas turbinas paradas periodicamente para a retirada do mexilhão.
Atualmente, o coral-sol (Tubastraea spp) é uma das principais ameaças ao equilíbrio do ecossistema marinho brasileiro. Essa espécie invasora, também associada a água de lastro, já está afetando o desenvolvimento de corais nativos nas costas dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo (próximo a Abrolhos), Bahia e Sergipe, tendo sido encontrada também em estruturas offshore e costões rochosos. Ameaça espécies endêmicas de corais no litoral brasileiro e afeta espécies de valor econômico.

Esses casos mostram o impacto à fauna local e às atividades econômicas de espécies invasoras, demonstrando a importância do estabelecimento de normas, da fiscalização efetiva e das boas práticas para o gerenciamento da água de lastro em nível mundial.
Nesse sentido, os órgãos internacionais já vêm demonstrando preocupação com o tema, sendo que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, já em 1982, abordou a necessidade de adoção de medidas à prevenção a introdução de espécies exóticas invasoras. Em 2004, a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), após anos de debates e estudos, aprovou a adoção da “Convenção Internacional sobre Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios”, que entrou em vigor em setembro de 2017. O Brasil aderiu e ratificou essa convenção (Decreto Legislativo nº 148/2010), sendo internalizado através da Norma da Autoridade Marítima brasileira – NORMAM 20/2019.
Essa NORMAM estabelece a necessidade de trocas oceânicas da água de lastro, uma vez que dada a alta salinidade presente em alto mar, os organismos capturados em baías/estuários, que são ambientes com menor salinidade, teriam menores chance de sobreviverem ao serem descartados em alto mar. Assim como as espécies coletadas em alto mar teriam menores chances de sobreviverem em um ambiente estuarino. Até 2022, é previsto que todos os navios tenham um sistema de tratamento da água de lastro, diminuindo assim a necessidade da troca oceânica, uma vez que essa troca pode implicar em perigos à navegação dependendo das condições oceanográficas, sendo inclusive permitida a não realização quando colocar em risco a tripulação.
Considerando o incremento do comércio marítimo global, a dispersão de espécies invasoras representa uma grande ameaça, podendo causar não só prejuízos financeiros milionários, como danos incalculáveis à fauna local e desequilíbrios nos ecossistemas invadidos muito difíceis de reverter. Assim, a aplicação das normas da IMO e a fiscalização efetiva pelos países são de suma importância para evitar esses danos.
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