Por Tatiana Motta Tavares
Bióloga e professora, mestra em Ecologia e Evolução e doutora em Ciências Biológicas. É professora da rede pública estadual do Paraná, professora temporária na Universidade Estadual de Londrina e pós doutoranda pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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Os anfíbios são o grupo de animais que englobam sapos, pererecas, rãs, cecílias e salamandras. A principal característica deles é a sua pele úmida e sensível, responsável principalmente pelas trocas gasosas – em algumas espécies, a troca de gases pela pele representa até 90% do oxigênio absorvido! Essa facilidade vem com um custo. Para permitir tal função, a pele dos anfíbios precisa ser muito úmida e fina. Umas mais, outras menos, mas é essencial que ocorra a manutenção da umidade dessa pele para a sobrevivência desses animais.
A necessidade de um arredor úmido também se estende para a sua forma de reprodução. Os ovos dos anfíbios são verdadeiras bolinhas de gelatina, que precisam da umidade ambiente elevada para permitir a sobrevivência nos filhotes. Aumentando a dependência do grupo a umidade, cerca de 70% das espécies possuem estágio de larva (girinos) que necessita de um corpo d’água. Isto é, para a maioria das espécies, o adulto precisa colocar seus ovos perto da água para permitir a sobrevivência da sua prole.
A floresta é um ambiente muito úmido. É notório sentir o quão abafado pode ser o interior de uma mata em comparação com as cidades. Os sapos e rãs também se utilizam da folhagem do chão na mata, que também é bastante úmida. A floresta, além da umidade, também disponibiliza uma variedade de corpos d’água (poças, riachos, bromélias), abrigos contra predadores (tocas abandonadas, raízes e troncos de árvores caídos) e uma abundância em insetos, o alimento preferido dos anfíbios.
A floresta acaba, portanto, atendendo todas as necessidades dos anfíbios, de uma forma ou de outra: é um ambiente úmido, é perfeita para o desenvolvimento de seus filhotes e ainda fornece proteção e comida. As chamadas espécies florestais são aquelas que dependem essencialmente da mata, não conseguindo sobreviver ou se reproduzir fora dela. A perda do habitat natural é considerada a principal causa de extinções de espécies de anfíbios atualmente.
Em um cenário de desmatamento, supondo que os indivíduos sobrevivam ao trauma, muitos indivíduos não conseguem se adaptar no curto espaço de tempo e perdem a vida. Sem a mata, muitos anfíbios morrem pela incidência direta do sol e pelos ventos, que secam sua pele, enquanto outros são facilmente encontrados por predadores. Por vezes, o remanescente de floresta na qual os anfíbios ficam confinados não dispõem dos corpos d’água para a sua reprodução. Os animais não têm condições de permanecer e optam pela arriscada travessia na matriz criada pelo ser humano, muitos morrendo no meio do caminho procurando condições de vida melhores.
Os perigos também cercam as espécies florestais, no sentido literal. Em um cenário em que a mata acaba sendo conservada, seja porque é uma unidade de conservação ou uma reserva privada, os arredores desses remanescentes acabam também afetando o interior da mata. A região da borda da mata sofre com os ventos e a insolação, modificando o microclima local. O efeito da borda pode se estender para até 500 metros no interior da mata, modificando as condições de sobrevivência de muitas espécies mais sensíveis.
Cercando os remanescentes de mata geralmente se tem vastas extensões de plantios de commodities. A soja, o milho e a cana-de-açúcar são as mais comuns e as que mais exigem o uso de defensivos agrícolas (vulgo agrotóxicos). Esses produtos não ficam limitados à superfície da plantação e acabam entrando na mata mais próxima por dispersão acidental, pelo vento ou mesmo por contaminação do lençol freático. Anfíbios são extremamente sensíveis a esses produtos químicos, e muito se discute se parte da mortalidade e o surgimento de indivíduos deformados encontrados perto de plantações extensivas não são consequências diretas do uso dos defensivos agrícolas de forma descuidada.
A atual legislação brasileira prevê uma zona de amortecimento nos arredores de todas as unidades de conservação (Lei nº 9.985/2000), exceto em Área de Proteção Ambiental (APA) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). O tamanho e o tipo de atividade realizado na zona de amortecimento é determinado pela lei que cria a unidade de conservação. Nesse ponto, a legislação acerta, apesar de ter espaço para ser melhorada (como padronizar a zona de amortecimento para todos os tipos de unidades de conservação). Entretanto, não existe o equivalente a uma zona de amortecimento para reserva legal ou área de preservação permanente, a APP (Lei nº 12.651/2012), que representam a maior fatia das áreas ainda conservadas no país. Além disso, é preocupante as crescentes aprovações de defensivos agrícolas nos últimos anos e a discussão do chamado Pacote do Veneno (PL nº 6.299/2002), que visa flexibilizar a autorização de agrotóxicos no país.
É importante que se tenha um olhar especial sobre as atividades realizadas nos arredores dos remanescentes de floresta com o intuito de se conservar as espécies florestais mais sensíveis, como os anfíbios. A legislação brasileira precisa ainda ser muito melhorada e preocupa o rumo das discussões mais recentes acerca do avanço da fronteira agrícola, da extinção de áreas de preservação e a amplitude indiscriminada do uso dos defensivos agrícolas.
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