
Por Vitor Calandrini
Capitão da Polícia Militar Ambiental do estado de São Paulo. É comandante da 2° Companhia do 1° Batalhão da PM Ambiental, professor de Direito Ambiental na Academia de Polícia Militar do Barro Branco e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Infelizmente, neste mês de fevereiro de 2023 tivemos a tragédia ambiental no município de São Sebastião, em São Paulo, tendo como principal foco o bairro da Barra do Sahy. A região é conhecida por suas belíssimas praias e natureza exuberante, mas a partir de agora ficará para sempre marcada pelas mortes em decorrência de deslizamentos causados por uma chuva intensa, fora de qualquer precedente histórico.
Algumas nomenclaturas começaram a se popularizar logo após o ocorrido, como “eventos climáticos extremos”, “racismo ambiental”, “injustiça ambiental”, “refugiados climáticos”, dentre outras que vêm sendo trazidas na evolução das discussões das mudanças climáticas. Mas e os animais silvestres? Como eles entram nessas discussões? Como são vitimados nesses eventos? Qual sua importância para mitigar esses eventos? Com quais estratégias para conservação que os animais silvestres podem colaborar para evitar essas tragédias? Bem, este mês vou tentar alinhar visões de sustentabilidade e fauna silvestre para indicar essas possíveis correlações.
Mortes de animais silvestres
Em uma primeira análise, é essencial informar o óbvio: eventos como esse causam devastações gigantes, em que centenas de árvores são derrubadas, toneladas de lama são carreadas, abrindo-se clareiras em hábitats naturais, e, consequentemente, ocorrem incalculáveis óbitos de animais silvestres. A quantidade de fauna morta não será calculada, nem ao menos contabilizada como dano direto à biodiversidade.
Em seguida, por dias ocorrerão óbitos e doenças nos animais silvestres, seja pela contaminação de águas e de alimentos, falta de abrigos, disputa natural por espaço, haja vista a diminuição das áreas de vida. Sem contar a alteração dos ciclos naturais nessas regiões, que sofrem com a intensificação da entrada e permanência de um número maior de pessoas, o que se faz necessário, devido as equipes e equipamentos de resgate.
Mesmo havendo equipes de voluntários para o resgate e cuidados com os animais domésticos e silvestres nos locais atingidos, diminuindo os impactos imediatos, não é possível mensurar quantos silvestres doentes ou feridos não receberam atendimento. Pela própria natureza dessa fauna, os animais tendem a fugir e se afastar dos humanos, já que não têm compreensão do objetivo da aproximação.
Após os primeiros momentos, inicia-se uma nova etapa para os silvestres sobreviventes: a necessidade de se readaptar a uma menor área de vida. A criação de novas relações ecológicas acabam se estabelecendo, a biodiversidade naturalmente diminui, causando diminuição nas populações, e a região passa por um período de teste de sua capacidade de resiliência ambiental, como na teoria trazida por Folk (2002). Ou seja, todo o ambiente passa por um período de readaptação, visando a manutenção das relações ecológicas ou a consolidação de novas. Aqui incluímos os animais silvestres, com a possibilidade de as mesmas espécies se reestabelecerem, com as populações retornando aos mesmos números e com a adaptação nas novas relações.
Importância da fauna
Passando por essa primeira análise, trago outro lado dessa história: a da importância da fauna silvestre para mitigar tais eventos climáticos extremos. Podemos associá-los? Acredito que sim, pois animais de vida livre desempenham importantes papéis na prestação de serviços ecossistêmicos, como tentarei resumi-los.
Pela própria necessidade de alimentação e abrigo, animais silvestres gratuitamente realizam a dispersão de sementes, o que naturalmente eleva a diversidade biológica, com plantas de diferentes tipos de raízes e que permitem formar variada serrapilheira do solo. Aumenta-se assim a resiliência ambiental local, além de termos espécies como tatus e outros roedores que cavam suas tocas e ampliam a percolação (penetração) de águas pluviais durante as chuvas. Esse conjunto de ações torna o solo menos compacto e facilita a drenagem natural das águas de chuva.
Se pensamos na manutenção de animais silvestres como alternativas de conservação para essas áreas de risco ambiental, podemos pensar também na criação de áreas de soltura e monitoramento de fauna ou até mesmo em uma unidade de conservação denominada “refúgio da vida silvestre”, em que teríamos maiores investimentos públicos e privados para desapropriação e fiscalização dessas áreas. Dessa forma, poderíamos ter o famoso ganha-ganha, com áreas de risco sendo protegidas de eventos climáticos extremos, a fauna silvestre ganhando mais uma área para se desenvolver com segurança e ainda ter iniciativas de educação e turismo ambiental (do tipo observação de aves) nessas áreas, visando desestimular ações de caça e capturas.
Sei que neste momento, você, leitor, pode estar pensando que é “fácil falar agora”, depois da tragédia. Mas minha preocupação é com o futuro, em que eventos como esse só tendem a aumentar. Temos que tentar evitar os próximos para a manutenção da vida humana, animal e da biodiversidade e usar estratégias conservacionistas pode ser a opção viável e necessária para áreas de risco onde, há milhares de anos, a fauna silvestre mantém a estabilidade e a segurança.
Encerro o artigo deste mês pedindo que enviemos nossos sentimentos e condolências às famílias das dezenas de vidas humanas perdidas. Não imagino que estivessem morando em áreas de risco por vontade própria. Essas pessoas também não possuem culpa pela chuva torrencial.
Mas peço que também façamos nosso minuto de silêncio àquelas vidas não humanas que jamais serão lembradas nem contabilizadas. Elas apenas estavam no lugar de seus ancestrais em mais uma noite quente de verão no litoral.
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