
Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Sempre me comovi e me indignei com a questão do tráfico de animais silvestres, crime contra o ambiente, a fauna, a sociedade e a economia do país. Não é à toa que meu primeiro livro infantil, Topetinho Magnífico (Ed. Melhoramentos, 2012), trata desse assunto.
Por causa desse interesse pelo tema, conheci o Marcelo Pavlenco Rocha, da SOS Fauna, na época do lançamento do Topetinho, e acabei entrevistando-o para uma matéria sobre o assunto para a Folhinha, o suplemento infantil da Folha de S. Paulo. Marcelo começou a lidar com esse problema em 1989, quando sentiu toda a dificuldade em fazer uma denúncia de tráfico e ver a questão efetivamente resolvida pelos órgãos competentes. Acabou se tornando uma das autoridades nessa questão no Brasil.
Desde o primeiro contato, para a entrevista à Folhinha, fomos nos falando, trocando ideias, nos encontrando em eventos e fui acompanhando com interesse os cursos que ele costuma ministrar a policiais rodoviários, que são as primeiras pessoas a ter contato com os animais apreendidos dos traficantes.
Marcelo me conta que, após sua fundação, em maio de 2000, a SOS Fauna começou, junto com a Polícia Civil paulista, a fazer inúmeras e grandes apreensões de animais. “Ganhamos até notoriedade na mídia por isso, mas, com o tempo, coisa de um ano ou dois da fundação, começamos a entender que havia outros problemas graves, como a morte de animais no tráfico. A maior parte das mortes acontecia nas mãos da própria instituição pública que deveria proteger os animais, não pelo traficante, que não tem interesse em perder o bicho, que é sua fonte de renda”, conta, anunciando a mudança de rumo que a entidade tomaria.

Outra preocupação dele era com a soltura, a reintrodução dos animais à vida livre, nos seus biomas e, preferencialmente, em suas regiões geográficas de origem, para evitar intensificar o desequilíbrio ambiental.
Grupo prioritário
Assim, ciente desses pontos fracos do processo, a SOS Fauna começou a ministrar cursos sobre como agir no momento da apreensão dos animais traficados, elegendo um grupo prioritário de alunos: os policiais rodoviários federais (PRF). O primeiro desses treinamentos se deu na Bahia, em 2004.

“É importante falar para esse público, porque, com isso, se consegue melhorar a qualidade das apreensões, diminuir a taxa de óbitos de animais apreendidos e, ainda, a partir dessa sensibilização, aumentar o número de animais apreendidos. Embora ainda exista um grande problema depois, no encaminhamento desses animais, que são a estrutura dos Cetas (centros de triagem de animais silvestres) e a soltura”, afirma.
Anos mais tarde, depois desse primeiro evento na Bahia, a entidade foi ampliando os grupos de alunos, com destaque para a PRF paulista. “Eles já tinham consciência de que prestar os primeiros socorros aos animais silvestres traficados no momento da apreensão da carga era crucial para a sua sobrevivência”, conta, citando outros grupos a quem deu treinamentos: polícia militar ambiental, PRF e agentes do Ibama e do Instituto Estadual de Florestas, em Minas Gerais; PRF e Instituto de Meio Ambiente (Imasul), no Mato Grosso do Sul; PRF no Rio de Janeiro e em Goiás e Polícia Federal de São Paulo. “No total, contabilizamos entre 250 e 300 policiais treinados”, diz.
Os treinamentos costumam durar cerca de nove horas e neles são aplicadas noções de primeiros socorros, de inteligência e de psicologia para lidar com o traficante, além de tratar da correta destinação dos animais silvestres apreendidos.
Durante a pandemia do novo coronavírus, os cursos foram remodelados, sendo ministrados online e com a parte dos primeiros socorros durando 2h30. Nesse formato, já foram dados a policiais rodoviários de São Paulo, Rondônia e Bahia.
Reação e resultados
“De forma geral, a PRF tem se mostrado uma polícia de excelência no que diz respeito ao combate ao tráfico de animais silvestres no Brasil. Falar de inteligência para a repreensão ao crime foi meio desafiante no início, porque receávamos que os policiais encarassem isso como uma intromissão nas suas atividades e até arrogância de nossa parte. Afinal, como que nós poderíamos, sendo de fora, ensinar inteligência à polícia?”, conta Marcelo, dizendo que esse receio foi contornado a partir do momento em que os policiais reconheciam sua experiência com o assunto, depois de muitos anos de estudo e repressão a esse crime. “Mas ainda é um pouco difícil”, reconhece.

Mesmo assim, ao fazer um balanço desses resultados, ele se diz satisfeito. “Eu não poderia esperar melhor receptividade por parte desses policiais. É fantástica”, reconhece, comparando a realidade das apreensões há cerca de oito anos atrás, quando tiveram início de forma mais esquematizada os cursos, com a situação atual.
“Se não melhorou mais, é porque [os policiais] não contam com apoio físico, assim como os postos policiais não têm condições de infraestrutura para esse manejo. Sem mencionar o fato de que, muitas vezes, são dois policiais que estão no meio do nada com mais de 600 aves recém-apreendidas”, conta Marcelo sobre as dificuldades enfrentadas por esses profissionais no momento e logo após uma apreensão.
E, falando em infraestrutura, Marcelo se organiza para que os treinamentos ocorram, depois de passada a pandemia, na nova sede administrativa da SOS Fauna, situada em uma área de sete mil m², em Juquitiba, a 70 km do centro de São Paulo. “Com a nossa mudança, devemos aprimorar os cursos”, diz, informando que o imóvel deve estar pronto em dois anos e contará ainda com um outro instrumento de aprendizado, o Museu do Tráfico, onde estarão expostos apetrechos comumente usados no trânsito do tráfico ilegal e que ele costuma usar nos cursos presenciais.
A esses treinamentos presenciais, cujo resultado em termos de aprendizado ele considera maior, Marcelo pretende agregar uma ferramenta bastante utilizada durante a pandemia, as lives, que podem ser úteis para ampliar o público que recebe seus ensinamentos.
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