Por Estevão Santos
Nascido em 2005 em Goiânia (GO), é um ávido observador de aves desde 2013. Suas fotos já são base de trabalhos científicos. Palestrante do Avistar, mantém o Projeto Avifauna de Goiás no Instagram
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Houve um dia em que alguém começou a reparar um pouco mais longe. E ‘longe’, nesse sentido, refere-se a uma distância a princípio longa, mas em uma escala diferente: em centímetros. De sua janela, alguém olhou para um passarinho que ciscava perto, numa árvore tomada de folhas brilhantes. E ao fitar esse passarinho, não demonstrava um olhar de predação: não, a necessidade de sobrevivência agora já era suprida pela comodidade do progresso humano. Era um olhar de curiosidade, recheado por um sentimento de intriga. Este alguém enxergou a natureza.
Com o passar das gerações e a continuidade do crescimento desenfreado de civilizações, aliado ao famigerado progresso humano, o homem parece ter perdido a dependência dessa natureza, que passou a ser chamada de ‘recurso natural’. Árvores se tornaram tábuas, os rios começaram a desaguar nas pias e bebedouros, o vento se tornou-se condicionado. O homem é agora um ser urbano, preso a um cotidiano corriqueiro, onde cabe a poucos, provavelmente pelo tempo, esse olhar sensível de tentar olhar com outros olhos.
Observar aves é além do ver cores, ouvir cantos, enxergar beleza e sentir encantos. É ter o prazer de, enfim, focar as lentes do binóculo naquela tão esperada espécie. E, para além disso, é acordar ainda no escuro, no horário mais importante do sono humano [a madrugada], dirigir por quilômetros, passar sono, fome, frio, calor e sede, mergulhar as botas em lama, ser picado por vespas, mosquitos e até carrapatos, espetar-se ou queimar-se. E, geralmente, isso tudo resulta em uma combinação estranhamente… Maravilhosa.
Tal sentimento de satisfação, diante de todas essas adversidades vividas em campo, é, talvez, o resgate de uma emoção oculta em nós, guardada nas reminiscências de uma espécie que, assim como todas as outras que se originaram, evoluíram e continuam a evoluir neste planeta, depende diretamente da natureza para o simples ato de viver.
Houve um tempo em que a chuva na mata era presságio da frutificação de uma determinada árvore e a chegada de determinadas aves migratórias. A neblina acobertando as baixadas em um lençol espesso de frio incontido daria, mais tarde, lugar ao sol “de rachar”, que aqueceria a terra e alegraria a passarada.
Houve um tempo em que o homem estava diretamente conectado, fisicamente e mentalmente, com o meio natural. Nota-se, portanto, que o homem foi sempre um nato observador de aves e que parece, agora, estar resgatando este dom.
Hoje em dia, o suspiro profundo aos pés de uma árvore é reflexão. Fitar os passarinhos é rever velhos amigos e sentir até empatia por pensar que existem outros seres nesta bola azul à deriva. Ingressar nessa atividade é como viver momentos prazerosos de nostalgia, porque é sentir algo metafísico: a natureza. E, parafraseando um amigo poeta, “ao passarinhar sigo no meio da mata um caminho guiado pelos passarinhos, que afinal, vai dar em mim”.
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