Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena (SP)
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No artigo deste mês, gostaria de fazer a apresentação do conceito do reabilitador de animais silvestres, figura parceira dos centros de triagem e de reabilitação (Cetras) na complementação dos trabalhos de recuperação e na reabilitação dos animais que são colocados sob guarda dessas instituições. Tal denominação ficou bem explicitada na concepção do Ibama na nova Instrução Normativa Ibama n° 5, de 13 de maio de 2021 (IN Ibama n° 5/2021). Nessa norma, no artigo 32, figuram o conceito de Áreas de Soltura de Animais Silvestres (ASAS) reabilitadora e a do Reabilitador sem ASAS.
Para a apresentação desse conceito, vou me restringir às práticas dos Cetras do Ibama (denominados pela instituição como Cetas – centros de triagem de animais silvestres) e a sua normatização. Mas acredito que as generalizações podem ser associadas aos Cetras de maneira geral.
Para tanto, gostaria de relembrar uma sequência de ações comumente relacionadas ao trato dos animais nos Cetras.
Os Cetras recebem e fazem a triagem dos animais colocados sob sua guarda. Quando há necessidade, fazem os tratamentos necessários e a reabilitação (sobre a reabilitação em si, podemos nos remeter ao artigo “A reabilitação de animais vai além do realizado dentro dos centros de triagem“, de 8 de julho de 2020). Sabemos que o processo de reabilitação está fortemente relacionado com a decisão da soltura ou a devolução para os ambientes naturais, contudo, também é prática muitas vezes necessária até para os casos de destinação ao cativeiro.
O conceito de soltura e as suas características e denominações é assunto à parte. Mas para este artigo, vamos considerar apenas duas características ou possibilidades de denominação: a soltura direta (também denominada de hard release), quando o animal é considerado apto para ser libertado em ambiente natural (em ASAS ou não) sem que passe por processo de aclimatação ou complementação de reabilitação. Também temos a soltura branda (também denominada soft release), que é quando o animal passa por período de aclimatação iniciado logo após a chegada na área de soltura, fazendo uso de estrutura geralmente denominada de viveiro de aclimatação ou pré-aclimatação.
Pela nossa experiência, é natural que se opte, na maioria das vezes, pela soltura branda. É muito difícil defender a ideia de que a opção pela soft release possa ser, de alguma forma, maléfica ou prejudicial quando comparada à opção hard release. Pode-se argumentar, contudo, que as duas categorias não se distanciem muito quanto aos resultados que se esperam na soltura, ou seja, que os animais se reintegrem à natureza, possam ter capacidade de incremento populacional positivos e que não causem qualquer influência negativa no ambiente onde foi solto. Mas essa discussão daria uma outra matéria muito interessante.
Neste ponto, já podemos emergir para o tema central do texto de hoje.
Mesmo avaliando todas as importantes tarefas realizadas pelas ASAS, até neste ponto da narrativa, elas figuram como elementos de auxílio e de concretização da soltura propriamente dita. Esse é o estágio final do processo todo, que foi iniciado antes da entrada dos animais no Cetras (geralmente na apreensão), seguido pelas ações realizadas nos centros de triagem e, finalmente, pela destinação – nesse caso, para a soltura.
Mas as ASAS podem ir além, ou mais corretamente dizendo, se anteciparem na sua importância. Podem figurar como parceiras em parte do processo de reabilitação, como anexos dos Cetras. Isso porque algumas ASAS se equipam de estruturas físicas e técnicas, viveiros de aclimatação (recintos telados onde os animais são colocados durante o processo de aclimatação) e pessoal treinado, podendo oferecer ambiente e condições qualificadas de reabilitação para os animais, muitas vezes em condições privilegiadas em relação aos Cetras. Porém, independentemente da condição, tais parceiros, quando formalizados, se integram à estrutura reabilitadora dos centros e multiplicam qualitativa e quantitativamente a capacidade dessas instituições em destinarem animais silvestres com qualidade.
Contudo, esse processo deve ser reconhecido e interpretado corretamente. Quando se olha um viveiro de aclimatação de uma ASAS, não se pode considerar trata-se de cativeiro. Isso pelo caráter de transitoriedade da retenção e pela função que essa retenção significa (reabilitação e aclimatação para a soltura).
Interessante, também, é considerar que o processo de reabilitação em determinadas ASAS transcende até o período e o espaço do viveiro de aclimatação. As condições de proteção e adequação podem fornecer situação propícia para que o animal se aclimate e, principalmente, se reabilite para a liberdade, já na liberdade. É muito comum esse processo em aves, em especial nos psitacídeos (papagaios, araras e periquitos), quando, depois de soltos, passam um período mais ou menos longo como satélites do viveiro de aclimatação e ainda dependentes da suplementação alimentar, que é fator muito importante da soltura branda. E nesse processo, passam a explorar cada vez mais a vida livre, buscando alimentos e expressando (reaprendendo ou relembrando) os seus comportamentos reprodutivos de maneira cada vez mais natural ou comum em animais de vida livre.
Para finalizar, o conceito de reabilitador pode avançar mais ainda, quando pessoas e estruturas podem se cadastrar como reabilitadores (artigo 32 da IN Ibama n° 5/2021) e receberem animais exclusivamente para ajudarem na reabilitação, após comprovação de capacidade. Nesse caso, são os denominados “Reabilitadores sem ASAS”, já que não proverão a soltura dos animais. Os animais atendidos nesses casos voltarão para a gestão do Cetras para que possam ser encaminhados à soltura em uma ASAS.
Com certeza, o maior dano causado pelos conflitos gerados pelos seres humanos e suas práticas aos animais, depois da morte, é a geração de danos físicos, clínicos e sanitários que venham a necessitar de ações de reabilitação. Essa reabilitação, e tudo o mais que se refere à vida, o bem-estar e a correta destinação dos animais são de responsabilidade do poder público. Os Cetras são os equipamentos mais adequados para a realização desse importante serviço. Contudo, a realização da reabilitação pode ser dividida entre parceiros, formalmente reconhecidos pela norma como Áreas de Solturas (ASAS) reabilitadoras e os reabilitadores. Esse arranjo amplia e multiplica muito a capacidade dos Cetras em executarem suas tarefas na restituição dos animais ao seu lugar de direito.
Nossos agradecimentos às pessoas e entidades que se propõem a nos ajudar nessa tarefa!
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