
Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestre em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia. É coordenadora de projetos na SAVE Brasil, principalmente no Projeto Cidadão Cientista
observaçãodeaves@faunanews.com.br
O ano de 2020 foi realmente atípico e cheio de mudanças, mas eu não diria que para a observação de aves foi um ano tão ruim assim.
Quero falar aqui apenas dos impactos sobre o nosso lazer da observação de aves, sem contar todos os outros impactos negativos que esse ano trouxe. 2020 foi o ano em que deixamos de viajar, os parques fecharam, não pudemos nos reunir em grupos e ficamos em casa para segurança de todos. Nós passamos muito mais tempo reclusos nos últimos meses! Certamente, muitos de nós passaram mais dias em casa nos últimos meses do que nos anos anteriores somados (detalhe: esse é meu caso).
Claro, não foi por um motivo que todos gostaríamos, mas talvez esse período tenha despertado, em mais pessoas, o sentimento de lutar por uma boa causa: a importância do contato com a natureza. Ficar em casa nos trouxe uma sensação de saudosismo e valorização das pequenas coisas, como um passeio em uma área verde em companhia dos amigos para observar as aves.
Esse sentimento extrapolou, inclusive, para aquelas pessoas que nunca tinham praticado a observação de aves. Quem já era observador de aves antes da pandemia provavelmente conhece alguém que começou com a prática nesse período. Foi nítido o aumento do número de pessoas que se interessaram a observar aves pela janela do apartamento ou no jardim de casa e, para falar a verdade, é uma sensação muito boa receber novas pessoas para o nosso bando!
Uma outra mudança que pudemos observar foi o aumento das observações de algumas espécies de aves nas áreas urbanas, que eu agrego a dois principais fatores: ao fato das pessoas prestarem mais atenção nas aves que estão ao seu redor e a uma aproximação maior das aves quando a cidade estava menos movimentada e mais silenciosa. Na minha opinião, o primeiro fator é mais expressivo.
Um outro ponto interessante que chamou mais a atenção dos observadores de aves foi a oferta de alimento e água para as aves. Os comedouros e bebedouros aproximaram as aves das casas e das pessoas, reconectando-as a natureza sem sair de casa. Deixo inclusive aqui as dicas que dei aqui sobre mitos e verdades sobre os comedouros.
Não foi só na observação de aves ao vivo, do dia a dia, que sofreu mudanças. Tivemos também que nos adaptar para continuarmos com os eventos sem fazer aglomerações e foi aí que o mundo virtual da observação de aves surgiu. De maio para cá, observamos uma revolução com o surgimento de muito conteúdo criado para suprir nossa necessidade de ver passarinho! E muito além disso, para suprir nossa necessidade de nos conectarmos com as pessoas para falarmos de passarinhos.
Eu diria que tudo começou em maio quando, após 15 anos ininterruptos de Avistar – a maior feira brasileira de observação de aves -, tivemos a primeira versão online do Avistar Conecta. Pessoas do Brasil inteiro e do exterior se conectaram nos três dias de evento. Foi tanto conteúdo interessante que os vídeos já ultrapassam as cinco mil visualizações. E foi durante o Avistar Conecta que também surgiu o Janelives, que são observações de aves ao vivo através de câmeras colocadas em comedouros em residências e hotéis/pousadas espalhados por todo Brasil. A partir daí, vimos várias inciativas surgindo, desde treinamento da plataforma eBird de ciência cidadã até séries especiais de temas variados relacionados às aves.
Os guias/condutores em turismo de observação de vida silvestre também tiveram que mudar suas rotinas em 2020, mas eles também não ficaram parados e organizaram a série Destinos Silvestres para levar a natureza para a casa das pessoas, divulgando suas histórias, destinos e roteiros. Além disso, eventos locais como o Avistando Guararema, organizado há cinco anos pela prefeitura de Guararema (SP), em que apenas pessoas da região costumavam participar, este ano foi todo virtual. E assim, vem junto a oportunidade de assistirmos de qualquer lugar palestrantes incríveis de diferentes regiões do país. Enfim, muito conteúdo pôde ser apreciado de forma on-line no conforto de nossas casas. Até jogo sobre as aves (The Game of Birders) teve nesse período!

E não foi somente o lazer que teve espaço nessa observação virtual. Pesquisadores e ornitólogos também entraram na onda e produziram muito conteúdo de qualidade e gratuito para levar informação às pessoas sobre o mundo das aves. Quero inclusive citar dois deles como exemplo: Daniel Perrella e Willian Menq, que em tempos de quarentena entraram de cabeça na divulgação da ciência com foco nas aves, criando conteúdo informativo e com linguagem acessível e interessante. Vale a pena conferir!
Eu também entrei nessa onda da divulgação e fiz alguns vídeos animados, caso queiram conferir.
Esses foram só alguns exemplos, entre tantos eventos virtuais, cursos, encontros, lives e congressos que falaram dos passarinhos durante a pandemia. A mensagem que fica é que o observador de aves também se mostrou muito resiliente e criativo em 2020, buscando formas de não perder a ligação com o mundo das aves. Acredito que vamos sair mais fortalecidos desse período, uma vez que as pessoas darão mais atenção para o contato com a natureza e, quem sabe, irão se reconectar através da observação de aves.
Então, que 2021 venha cheio de boas notícias, conquistas e passarinhadas para todos!

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