
Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestra em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Se você coloca fotos, sons e listas de aves no WikiAves e no eBird, é possível que já tenha auxiliado muitos pesquisadores e estudantes a produzir conhecimento. Mesmo morando nos grandes centros urbanos, observar as aves pode ajudar a conhecer um pouco mais sobre nossas espécies. Quero contar aqui os resultados da pesquisa que participei e que mostram a importância dessa parceria.
O Brasil é um dos países com maior biodiversidade do planeta e todos os dias os pesquisadores descobrem coisas novas sobre a fauna, seja sobre o comportamento, habitat, alimentação ou mesmo uma espécie nova. No entanto, para muitas dessas descobertas, precisamos de anos para levantarmos um número considerável de informações, pois temos os fatores tempo e espaço nesse processo.
Tempo – porque para conseguir algumas informações são necessárias várias visitas a uma área até que se encontre aquela espécie desejada, por exemplo; e
Espaço – porque às vezes são longas distâncias que precisam ser percorridas para acessar vários indivíduos da mesma espécie e descrever um comportamento, por exemplo.
A ciência cidadã veio para dar uma mãozinha para facilitar os fatores tempo e espaço e acelerar nossa produção de conhecimento. Porém, sabemos que a maioria das pessoas está concentrada nas grandes cidades e é onde têm mais facilidade para arrumarmos um tempinho para observar a natureza ao redor, seja no intervalo para um café (observando pela janela ou jardim) ou no horário de folga (passeio no parque próximo).
Já mencionei em um dos meus artigos anteriores que temos muitas aves migratórias em áreas verdes urbanas, tais como praças e parques, e, apesar dessas aves passarem metade do ano bem pertinho de nós, ainda sabemos pouco sobre elas. Por isso, num artigo científico que eu e meus parceiros de pesquisa Alex Jahn, Milton Ribeiro e Pedro Develey publicamos este ano, nós quisemos mostrar como a Ciência pode ganhar ao aproveitar o conhecimento dos observadores de aves e como os resultados das pesquisas podem retribuir para a sociedade.
Os resultados dessa pesquisa mostraram que mais de 70% dos observadores de aves brasileiros que contribuem com fotos, sons e listas no WikiAves e eBird moram nas regiões mais urbanizadas do Brasil (Sul e Sudeste), sendo que 29% são só do estado de São Paulo. Esse resultado tem dois pontos importantes: precisamos incentivar mais a prática da ciência cidadã nas outras regiões do país e podemos aproveitar melhor as informações das áreas urbanas.
Fizemos um levantamento e encontramos 672 publicações que utilizaram dados dessas plataformas para estudar as aves do Brasil. Então, se você contribui com essas plataformas, provavelmente já ajudou algum estudante a fazer sua pesquisa. Quando falo de publicações, eu estou incluindo artigos científicos em revistas brasileiras e internacionais e também trabalhos acadêmicos (tese de doutorado, dissertação de mestrado ou iniciação científica) que descreveram alimentos prediletos pelas espécies, novos registros de uma espécie de ave para uma região, para onde as aves migram, entre outros temas.
Apesar de os observadores de aves no Brasil estarem concentrados nas áreas urbanas, de termos aves migratórias lindas (sou suspeita a falar delas) e de muitos trabalhos estarem sendo desenvolvidos com dados de ciência cidadã, apenas 13, dessas 672 publicações, são sobre áreas urbanas e nove são sobre aves migratórias. Esse nosso artigo é o primeiro que junta os dois temas e dá ideias para novas pesquisas. Então, se você é estudante, vale a pena dar uma olhadinha nas dicas do artigo.

Essas plataformas surgiram somente nos últimos (WikiAves em 2008 e eBird Brasil 2015), mas é muito interessante observar como tem crescido o número dessas publicações ao longo dos anos. Isso mostra o poder do observador de aves na Ciência!
Para testar esse poder, nós selecionamos quatro espécies de aves migratórias (peitica, bem-te-vi-rajado, tesourinha e príncipe) e buscamos registros delas no WikiAves, eBird e Aves da Cidade para descobrir quando essas espécies chegam em São Paulo (veja a tabela com as datas no artigo) e quanto elas precisam de área verde para morar na grande cidade de São Paulo.
Apesar de morarem todas na cidade grande, aves dessas espécies têm necessidades diferentes de habitat. O que encontramos é que o bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus) é o mais exigente, precisando de áreas verdes com no mínimo 10 hectares para sua moradia, seguido pelo príncipe (Pyrocephalus rubinus), que precisa de no mínimo 5 hectares. A peitica (Empidonomus varius) precisa de um hectare e, por último, a tesourinha (Tyrannus savana) que pode morar mesmo em ruas arborizadas. Acreditamos que a tesourinha só tem essa baixa exigência porque é uma ave que ocupa bastante áreas de cerrado, onde as árvores podem ser mais espaçadas, como nas cidades.

Para concluir, podemos ver que ainda tem muita coisa para descobrirmos sobre as aves urbanas e que os observadores da natureza podem ajudar muito quando compartilham suas observações no eBird, WikiAves e/ou em outras iniciativas de ciência cidadã. E quanto mais detalhada for a sua observação melhor pode ser para um estudante que busca estudar as aves.
Como retorno, o pesquisador pode ajudar passando adiante esse conhecimento adquirido para que políticas públicas sejam mais bem conduzidas, gestores de áreas verdes possam ter ferramentas para tomar decisões e observadores tenham suas passarinhadas com mais conhecimento.
– Leia outros artigos da coluna OBSERVAÇÃO DE AVES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)