O papel dos centros de triagem e reabilitação de animais silvestres na atualidade

Há pessoas que nunca ouviram falar de centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetas, Cras ou Cetras). Há também aquelas que pouco conhecem sobre o cotidiano dessas unidades.

Os Cetas, como esses centros são chamados quando pertencentes à estrutura do Ibama, são, em sua essência, unidades que têm como missão receber, triar, tratar, reabilitar e destinar animais silvestres. Entretanto, essas estruturas não se restringem a essas etapas de atuação e, atualmente, suas ações vão muito além dessa rotina para a qual foram inicialmente concebidas. Os Cetas têm buscado atuar cada vez mais em pesquisa, restauração ecológica, educação ambiental e geração de conhecimentos e informações para prevenir impactos e danos aos animais silvestres e à biodiversidade.

No senso comum, e fazendo uma analogia com o sistema de saúde para humanos, os Cetas são como uma unidade básica de saúde (UBS), que atende a populações com os mais diversos perfis e condições: crianças, jovens e idosos, doentes, feridos, traumatizados, desnutridos… Há quem compare os Cetas mais bem equipados a um hospital, com setor de emergência, tratamento e recuperação mais bem estruturado, onde os animais ficam até receberem “alta”. Há ainda quem os correlacione a um orfanato, tendo em vista o alto índice de filhotes que são encaminhados aos cuidados desses centros.

Como um Sistema Único de Saúde (SUS) para animais, os Cetas do Brasil recebem, anualmente, um enorme contingente de animais silvestres que demandam atendimento. Só nos Cetas do Ibama, são mais de 60 mil espécimes recebidos todos os anos, vítimas das mais diversas ações antrópicas danosas, que acarretam impactos negativos à fauna silvestre em diferentes ambientes, de norte a sul do país.

Do tráfico de fauna em grande escala às capturas de animais para manutenção como pet. Do desmatamento de grandes áreas florestais à supressão de vegetação de quintais e de margens de igarapés, em zonas urbanas e rurais. Da fragmentação de ambientes para instalação de infraestruturas de transporte, habitação e distribuição de energia à captura de animais para uma “simples” e fugaz fotografia para redes sociais. De processos irregulares de ocupação de solo (invasões) à substituição de plantas nativas por espécies exóticas em projetos paisagísticos nada sustentáveis. Tudo isso gera efeitos negativos e danos muitas vezes irreversíveis para o indivíduo e para as populações de espécies silvestres e, em última instância, à toda comunidade biológica onde estão inseridas.

Ampliação da atuação dos Cetas

Dada essa realidade, além da atuação naquilo que é a parte mais conhecida de sua missão, citada anteriormente, há que se ressaltar que os Cetas têm progressivamente ampliado os limites de sua atuação, participando cada vez mais de ações voltadas à conservação e à restauração de ambientes, com vistas ao maior envolvimento e eficácia das ações de conservação, tanto de espécies ameaçadas de extinção como das ditas “comuns” – essas últimas de suma importância para a manutenção de relações ecológicas e, portanto, para a conservação de ambientes e de outras espécies, inclusive aquelas sob  ameaça de extinção.

Nesse contexto, as dezenas de Cetas espalhados pelo Brasil (24 do Ibama) representam um elo importante em ações de conservação, contribuindo para a mitigação de impactos advindos da retirada de animais de uma paisagem, para a prevenção de extinções locais e para promover o engajamento da sociedade frente às muitas ameaças à fauna silvestre, concorrendo assim para a conservação da biodiversidade brasileira.

Dentre as contribuições dos Cetas para a conservação ambiental e gestão pública, citam-se:

• Participação em projetos de pesquisas e vigilância em saúde humana, ambiental e animal.
• Geração de dados e informações utilizados em planejamentos estratégicos institucionais.
• Ampliação do espectro de formação e qualificação de profissionais, principalmente nas áreas de medicina veterinária, ciências biológicas e zootecnia.
• Cooperação em projetos de conservação in situ (vida livre) e/ou ex situ (cativeiro), em escala local, regional ou nacional.
• Colaboração em programas de rewilding (restauração ecológica para recomposição da biodiversidade nativa de um local) e de reforço populacional.
• Envolvimento em projetos e ações de educação e restauração ambiental.
• Participação no debate, articulação e elaboração de justificativas técnicas e textos legislativos para adoção de políticas públicas voltadas à proteção e conservação de animais silvestres, em diferentes instâncias governamentais.

Como exemplo dessas atuações, citam-se a participação e contribuição de Cetas no Projeto Voar, focado na conservação do papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea), desenvolvido em parceria com a ONG Waitá e outras instituições, em Minas Gerais; no programa de reintrodução da arara-vermelha (Ara chloropterus) no sul da Bahia – sob coordenação do Cetas de Porto Seguro -; no Projeto Felinos do Pampa, focado em monitoramento do gato-palheiro-pampeano (Leopardus munoai) e outros felinos, no Rio Grande do Sul; a participação em Planos de Ação (PAN) coordenados pelo ICMBio, dentre eles o PAN Sauim-de-coleira, que visa implementação de medidas para conservação do Saguinus bicolor, primata amazônico e manauara criticamente em perigo de extinção.

Há também Cetas contribuindo com programas de conservação, encaminhando espécimes reabilitados para empreendimentos e projetos visando a fundação de novos grupos e/ou o reforço genético de plantéis de cativeiro e de populações naturais. Há o Projeto Asas (Áreas de Soltura de Animais Silvestres), o Liberdade e Saúde no Piauí, o de reintrodução da Ara ararauna no Rio de Janeiro, entre outros espalhados Brasil afora.

Cita-se ainda a sistematização de dados e a participação de profissionais de Cetas em publicações relevantes para referenciar formulação de políticas públicas voltadas à gestão da fauna silvestre, como  o Manual de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, uma iniciativa do Projeto Libertas/Abrampa, em parceria com Ministério Público de Minas Gerais e a ONG Freeland Brasil, e o Manual Cidade Amiga da Fauna, excelente documento sob coordenação da Prefeitura de São Paulo e do Instituto Ampara Silvestre, que destaca, dentre tantas outros tópicos, a importância de dados gerados a partir do Cetras de São Paulo para referenciar a implementação de estratégias de conservação da fauna silvestre naquele município. Esse manual deveria ser o documento de cabeceira de todos os gestores e legisladores públicos, principalmente municipais, em todo país.

Todas essas iniciativas, e outras tantas, impossíveis de serem listadas aqui, têm em comum no planejamento e nas parcerias institucionais caminhos estratégicos para o alcance de resultados, convergindo ações em prol do objetivo comum que é a conservação da fauna silvestre e da biodiversidade brasileira e o respeito aos animais.

Obviamente, as instituições que gerenciam Cetas e que conduzem ou participam desses projetos têm muitos desafios estruturais, orçamentários, técnicos, operacionais e logísticos a serem superados.  A ampliação, o aperfeiçoamento, o alcance de resultados e a sustentabilidade desses projetos no espaço e no tempo dependem da ampliação e do fortalecimento de parcerias, de mais visão de futuro e investimentos por parte de gestores públicos e privados e também do engajamento da sociedade. Tudo isso trará benefícios não só para os animais, mas também para toda a sociedade.

Quem quiser saber um pouco mais sobre Cetas e sobre alguns dos projetos citados aqui  pode consultar:

• Instagram Ibama
• Relação dos Centros de Triagem de Animais Silvestres do Ibama
• Relação de centros de triagem e reabilitação de animais silvestres em todo o Brasil.
• Instrução Normativa 5, de 13 de maio de 2021
• Livros e manuais Abrampa

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