Por Andréa Almeida¹ e Juliana Lopes Vendrami²
¹Bióloga, mestra em Ecologia e Recursos Naturais e pós-graduada em Direito e Gestão Ambiental. Está concluindo MBA em Gestão da Qualidade, Saúde, Meio Ambiente e Segurança. É analista portuária-bióloga na Portos do Paraná e integrante da REET Brasil
²Bióloga e mestra em Ecologia. É analista portuária-bióloga na Portos do Paraná e integrante da REET Brasil
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O modal aquaviário é uma promessa de um transporte mais barato, eficiente e com menos impacto ambiental. Assim, tendo em vista esse grande potencial, precisamos entender melhor do que exatamente consiste esse modal, quais são as estruturas, quais as obras necessárias, qual a situação no Brasil e quais os seus impactos e sua relação com a fauna.
O modal aquaviário é basicamente estruturado por hidrovias e instalações portuárias, sejam nas águas interiores (rios, lagos ou lagoas navegáveis) ou marítimas. As hidrovias são as vias navegáveis, podendo ser classificadas como naturais, melhoradas (vias já navegáveis que têm suas condições aprimoradas por obras de engenharia) ou ainda artificiais, na qual o curso d’água é modificado totalmente por obras de engenharia para se tornar navegável. Essas obras consistem principalmente em dragagens, que são a remoção dos sedimentos do leito do corpo hídrico e o depósito deles em outro lugar; além da instalações de boias de sinalização que delimitam o canal navegável, devendo este ser projetado para um tamanho limite de embarcações, considerando a largura, o comprimento e o calado (profundidade que a embarcação estará submersa).
Já os terminais portuários consistem em infraestruturas para a carga e descarga de mercadorias e embarque e desembarque de passageiros, sendo instalados às margens das vias navegáveis (rios, lagos, baías ou na costa). Nesses terminais, também ocorre a interligação com os outros modais, principalmente o ferroviário e o rodoviário.
E qual a situação do modal aquaviário no Brasil?
De acordo com o Ministério da Infraestrutura, o país conta com 8,5 mil quilômetros de costa navegável e tem 21 mil quilômetros de hidrovias de águas interiores economicamente navegáveis, sendo que as principais hidrovias são a Paraná-Tietê, a Tapajós, a Madeira e a Tocantins-Araguaia. Parece muita hidrovia, mas segundo um estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de 2019, o Brasil utiliza apenas um terço dos 63 mil quilômetros que poderiam ser utilizados para a navegação interior. Em relação às instalações portuárias, o país possui 37 portos organizados, 52 instalações portuárias de pequeno porte, 51 portos públicos e 13 eclusas. Assim, é possível perceber que o Brasil tem muito potencial para o crescimento do transporte aquaviário. Veja a distribuição dos portos e hidrovias em Mapa Portuário e Mapa Hidroviário.
E quais são os impactos?
Nas hidrovias, as dragagens acarretam numa série de impactos a serem considerados, como a supressão da fauna bentônica (que vive no fundo ou próximo ao fundo) que ali habita, a possibilidade de ressuspensão de compostos/metais pesados (que podem ser absorvidos pela fauna e toda uma cadeia trófica), além de alterações no componente físico do corpo hídrico que têm consequências para os organismos ali adaptados. Esses efeitos podem ocorrer tanto nas áreas que sofrem a retirada dos sedimentos quanto nas áreas onde são depositados os sedimentos, tendo diversos efeitos sobre a fauna aquática.
Além dos efeitos das dragagens, há os impactos negativos decorrentes do tráfego das embarcações para a fauna, como a poluição sonora (tanto atmosférica quanto subaquática), a poluição do ar (pela combustão dos combustíveis fósseis dos motores das embarcações) e a introdução de espécies exóticas e/ou invasoras. Também é importante mencionar a poluição das águas e de praias nos casos de acidentes ambientais, com o vazamento de vários tipos de produtos, como combustíveis fósseis e minerais, que podem atingir a fauna. Por último, mas não menos importante, cabe mencionar os conflitos no uso das áreas portuárias entre as embarcações e a fauna aquática (como, por exemplo, o boto-cinza, Sotalia guianensis), que podem causar atropelamentos de animais, assim como em rodovias e ferrovias.
Os impactos da instalação dos terminais portuários beirando os corpos hídricos consistem na supressão de matas ciliares, manguezais, restingas ou dunas, que são áreas de preservação permanente, segundo o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012), levando a uma perda de habitat para a fauna. Em contrapartida, as instalações portuárias, em decorrência da criação de abrigos e a disponibilização de alimento (dependendo das cargas movimentadas), atraem a fauna sinantrópica (animais silvestres nativos ou exóticos que utilizam recursos de áreas antrópicas) e, especialmente, a fauna sinantrópica nociva (animais que interagem de forma negativa com a população humana e que podem representar riscos à saúde pública), na qual podem transmitir doenças tanto para os humanos quanto para os animais silvestres dos arredores das instalações. Além das instalações portuárias, não podemos esquecer que são necessárias as vias que trazem as mercadorias e/ou pessoas até esses terminais, que englobam as rodovias e as ferrovias, cujos impactos já estão bem discutidos pelos colaboradores da coluna Fauna e Transportes do Fauna News.
Assim, tendo em vista o potencial de crescimento do modal aquaviário no país e as vantagens econômicas, é essencial ponderar também os seus impactos na fauna e nos ecossistemas, levando-se em consideração toda a infraestrutura necessária para a implementação do modal, incluindo construção ou ampliação de infraestrutura rodoviária e ferroviária e aumento do tráfego terrestre. Essa ponderação é vital, uma vez que muitas das áreas ocupadas pelas hidrovias e terminais são áreas de reprodução dos organismos aquáticos, sendo que várias dessas espécies são de interesse econômico para o país.
Dessa forma, tornam-se necessários cada vez mais estudos e monitoramentos desses impactos sobre a fauna ao longo prazo. Nesse sentido, várias ações têm sido tomadas pelos órgãos internacionais e nacionais para tentar reduzir os impactos negativos desse modal na fauna, como o licenciamento ambiental, que estabelece monitoramentos ambientais, e os acordos internacionais.
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