O elo entre abuso animal e conteúdos pró-anorexia nas redes sociais

Eugenia Cooney é uma youtuber norte-americana de 29 anos que iniciou seu canal na plataforma em meados de 2011 para compartilhar seu gosto pela moda e o seu dia-a-dia com os seus seguidores. O que exatamente faz ela diferente de várias outras personalidades na Internet? Bem, a resposta é simples e perturbadora: seu peso.

Famosa nos fóruns “pró-ana”/“pró-anorexia” (sim, eles existem), vídeos e fotos do corpo de Eugenia são diariamente usados como meta do “corpo perfeito”: ainda que a moça esteja, gradativamente, sendo vista com cada vez menos cabelo, mais ossos à mostra sob a pele, que está ficando acinzentada, e com os olhos cada vez mais amarelados e sem brilho.

Mudanças essas que indicam a deterioração da sua saúde física, mas que também são a razão para o crescimento contínuo no número de visualizações em seu canal: seja por curiosidade (às vezes mórbida) e/ou preocupação (às vezes honesta) daqueles que eventualmente esbarram em seu conteúdo pela primeira vez ou até mesmo a acompanham com certa periodicidade.

Não é difícil encontrar, entre os comentários, aqueles que dizem “vim aqui só ver se ela ainda está viva”. E são ainda muito mais comuns os comentários de pessoas pedindo para que ela procure ajuda e tratamento. Urgente.

A sua condição não é só física, mas também psicológica. E isso se expressa nas lives que ela faz em que, por muita insistência daqueles assistindo, Eugenia responde que “sim, sou saudável. Não sei do que vocês estão falando”, enquanto claramente exibe de propósito as partes mais chocantes do seu corpo para a câmera. Os cotovelos, escápula e bacia são tão pontudos que parecem passíveis de perfurarem a própria pele.

Pessoas entendidas no assunto, através de vídeos na mesma plataforma, discutem o caso e alertam: a anorexia nervosa de Eugenia é viabilizada, incentivada e mantida por esses comentários e por seus dois milhões de seguidores. Cada comentário de “nossa, ela está muito magra” é, na realidade, encarado por ela como um elogio. É através deles (e apenas deles) que ela (e sua doença) se alimenta. E também o seu canal, que é favorecido pelo engajamento do algoritmo.

E não, em nenhum momento seus vídeos foram retirados do ar pela plataforma. Muito pelo contrário. Num belo dia, o vídeo de Eugenia provando roupas de banho chegou ao top 50 vídeos mais assistidos do YouTube. E pasmem (ou não): essa lista é selecionada pessoalmente pelos funcionários da rede social.

E a razão dessa situação socialmente perigosa e bizarra perdurar, à vista de todos e sem o aparente controle de ninguém, é, assim como o motivo da fama da própria Eugenia, simples e perturbadora: dinheiro. Por ter muito engajamento, o canal dela – e ela própria – gera grande monetização para a companhia que comanda essa plataforma. Não só através do próprio canal como através de toda a repercussão: por vídeos que pessoas fazem falando sobre ela, por cortes de vídeos dela que são utilizados em outros vídeos menores… e até mesmo por pessoas como eu, que para educar as pessoas sobre o assunto, acabam tendo que fazer propaganda também.

Acompanhar o caso dela é como assistir um carro em rota de colisão, mas só que com propagandas no meio e sabendo que o veículo muito provavelmente não vai parar, pois as empresas precisam divulgar seu produto em algum lugar. E se um grande acidente é vídeo que chama atenção de todos, que seja nele: antes, durante e depois. Aliás, que tenhamos inclusive mais acidentes! Viva os acidentes!

Mas, calma, leitor do Fauna News, agora você vai finalmente entender onde eu quero chegar contando a trágica história dessa “influenciadora digital”.

Abuso de animais em vídeos

Entre julho de 2020 e agosto de 2021, a Social Media Animal Cruelty Coalition (SMACC’s, da Asia for Animals Coalition) relatou 5.480 vídeos mostrando conteúdo relacionado a abuso de animais nas plataformas do Facebook, TikTok e YouTube. Juntos, esses vídeos tiveram 5.347.809.261 de visualizações.

No YouTube (onde está a Eugenia), a maior parte desse conteúdo (89%) é de abuso de animais “óbvio e intencional” (como, por exemplo, enterrar um bebê macaco vivo ou pisar num filhote de cachorro com salto alto). E o resto do conteúdo se divide em vídeos de abuso “ambíguo e intencional” (como performances de animais), “ambíguo e não intencional” (como vestir um macaco bebê de estimação em roupas humanas) e “óbvio e não intencional”, com 0,2% (como gravar um macaco “sorrindo” sem saber que é uma expressão de medo e estresse).

De 2021 pra cá, quando foi publicado o relatório da SMACC, todos esses vídeos foram denunciados, mas apenas 47% vídeos foram retirados do ar. E por quê? Pelo mesmo motivo que os de pró-anorexia continuam no ar: tem gente lucrando com eles.

Eu sei: é terrível. E como alguém que tentou por quatro anos educar as pessoas sobre a importância de boicotar certos tipos de conteúdo nas redes sociais, eu me sinto na obrigação de confessar que estou cansada. Como lutar pelos direitos animais se não garantirmos nem mesmo os direitos humanos? Como salvar cada um desses animais se a gente não consegue salvar nem mesmo a Eugenia?

A internet talvez ainda pareça ser um mundo separado da realidade, de certa forma inofensiva por aparentar ser uma terra de ninguém, mas já faz tempo que ela deixou de ser só isso.

O elo entre esses dois casos é a necessidade de regulação das redes sociais. Não se pode lutar guerra alguma sem armas. Qualquer embate desigual é injusto: já se sabe quem vai ganhar e quem são os vulneráveis que vão perder. Certo tipo de conteúdo simplesmente não pode existir nem continuar no ar.

Que educação ambiental (humana) é capaz de vencer o algoritmo (digital)? E pensar que a gente estava aqui achando que a guerra entre humanos e máquinas seria como ilustra os filmes hollywoodianos: com robôs humanoides…

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