Por Vera Maria Ferreira da Silva
Bióloga, mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior e doutora em Mammalian Ecology and Reproduction pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). É pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordena o Projeto Boto na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e o Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia, da Associação dos Amigos do Peixe-boi (Ampa)
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Em 22 de abril foi comemorado o Dia Internacional da Terra. Nesse dia, em 1970, milhões de pessoas foram para as ruas protestar contra os impactos negativos de 150 anos de desenvolvimento industrial sobre o planeta. Este ano, 51 anos da criação da data, o tema proposto para marcar o dia é “Proteja nossas espécies”, considerando a rápida redução de populações de animais e plantas, impulsionada pela intensa atividade humana. Esse tipo de iniciativa propõe uma mudança global no estilo de vida, no consumo, na produção e no uso de poluentes, além de promover maior atenção aos cuidados com o meio ambiente em geral.
O planeta Terra tem 70% de sua superfície coberta por água, sendo apenas 2,5% de água doce. Dessa quantidade, somente 0,3% estão em rios e lagos. O Brasil é o pais com a maior reserva de água doce do planeta, com aproximadamente 13,7% das reservas mundiais. A bacia Amazônica abrange uma área de sete milhões de quilômetros quadrados, abriga o maior volume de água doce do mundo e é responsável por cerca de um quinto do fluxo fluvial do planeta, sendo que a água que flui pelos rios amazônicos equivale a 20% da água doce líquida existente na Terra.
E nesse mar de água doce vivem cinco espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a três ordens distintas: Carnívora, com os mustelídeos aquáticos (lontra e ariranha); Sirênia, com o peixe-boi-da-Amazônia, e Cetacea ou Cetartiodactyla, que inclui dois tipos de golfinhos fluviais: o tucuxi e o boto-vermelho. Com exceção da lontra (Lontra longicaudis), todas as outras espécies estão classificadas em alguma categoria de ameaça como já vimos aqui no Fauna News. Além desses mamíferos, mais de duas mil espécies de peixes e várias centenas de outros organismos aquáticos dependem dos rios e da floresta Amazônica para a sua existência.
A água é um recurso natural essencial para a vida de qualquer organismo vivo e responsável pela manutenção da vida no planeta. Além de funcionar como um componente bioquímico dos seres vivos, ainda possui valores sociais e culturais importantes, sendo considerada a fonte da vida.
A conservação desses mamíferos aquáticos depende diretamente da qualidade e da integridade do ambiente em que vivem, os rios e lagos da bacia Amazônica com sua fauna e flora, e que, por sua vez, estão intimamente relacionados à existência da floresta e da biodiversidade que abriga.
Como trabalhar para a manutenção de um desses elementos sem envolver as questões que afetam diretamente a existência dos outros? Inclusive a sobrevivência dos seres humanos?
Nesta semana de debates políticos na reunião da Cúpula de Lideres sobre o Clima, que ocorreu nos Estados Unidos, ficou ainda mais latente a importância da retomada das discussões pelos países membros da ONU e, em particular, pelos EUA e pelo Brasil sobre as questões ambientais, das mudanças climáticas e da proteção da Amazônia.
Toda a sociedade precisa abraçar a causa da Amazônia, da proteção das florestas e entender seus mecanismos e funções fundamentais que a floresta desempenha para o ecossistema e o clima, para juntos trabalharem na sua conservação.
A ideia de mudança do clima induzida pela ação humana não é uma coisa recente, sendo desenvolvida por Alexander von Humboldt quando viajava pela Venezuela em 1800. Ele publicou que:
“Quando as florestas são destruídas, como o são em toda parte na América por obra dos plantadores europeus, com uma precipitação imprudente, as fontes de água secam por completo ou se tornam menos abundantes. O leito dos rios, permanecendo secos durante parte do ano, são convertidos em torrentes toda vez que caem pesadas chuvas em suas cabeceiras. Desaparecendo a relva e o musgo juntamente com a vegetação rasteira nas encostas das montanhas as águas das chuvas não sofrem obstrução em seu curso; em vez de aumentarem lentamente o nível dos rios por meio de progressivas filtragens, durante as intensas chuvaradas as águas sulcam os declives das colinas, empurram para baixo o solo solto e formam as súbita inundações que devastam o país”.
Humboldt também escreveu sobre o impacto das árvores no clima através da liberação do oxigênio, da capacidade em armazenarem água e enriquecer a atmosfera com umidade, da proteção do solo e de seu efeito resfriador, chamando a atenção para os efeitos devastadores da intervenção da espécie humana sobre o meio ambiente, particularmente sobre as florestas.
Mais de 200 anos depois, sabemos muito mais. Podemos medir as taxas de desmatamento quase em tempo real e contar o número de espécies de animais e plantas desaparecendo a cada ano. Testemunhamos as catástrofes ambientais com o aumento da temperatura e as drásticas alterações nos volumes e regimes de chuvas. O irônico disso, é que mesmo conhecendo as causas e cientes dos efeitos, nossas ações para reverter esse quadro não têm sido efetivas como deveriam.
Até quanto poderemos apostar nesse tipo de desenvolvimento e no estilo de vida adotado pelo mundo globalizado?
As ações e atitudes de cada um devem ser conscientes e voltadas politica, cultural e cientificamente para a proteção da Amazônia.
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