Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Quando falamos em tráfico ilegal de animais, nos vêm, imediatamente, à cabeça as aves (sejam Passeriformes ou não), os répteis e os pequenos mamíferos. Isso em razão do maior conhecimento sobre tais classes, maior facilidade de visualização em seus habitat e, também, maior facilidade para transporte. Porém, existe um universo underground, deveras lucrativo, cujo conhecimento limitado a uma pequena parcela de especialistas, o torna lucrativo pela especificação: os peixes.
Se você, leitor, imaginou que nossos criminosos deixariam passar esse detalhe técnico em meio a um imenso comercio ilegal de vida, errou! Somos, também, muito bons nisso. Como todo bom animal traficado, seu valor corresponde, principalmente, à sua raridade e beleza. É simples: quanto mais raro, mais bonito, mais ameaçado de extinção, mais vale!
Nossos ecossistemas aquáticos, como não poderia ser diferente, são riquíssimos. Para que possamos ter ideia da variedade e quantidade, nosso comercio legalizado de espécies de água doce chega a 20 milhões de unidades (indivíduos)/ano para países asiáticos, Europa e EUA. Mas, claro, toda a atividade legal e lucrativa tem seu paralelo ilegal ou parcialmente ilegal. Dos mesmos locais onde são retirados os espécimes legalizados, saem os destinados ao mercado negro.
Podemos destacar, no estado do Pará, o município de Altamira, cujo rio Xingu foi descoberto como um grande celeiro de espécies. Estudos indicaram que a partir de 2015, após a finalização do represamento do rio e da estrutura da hidrelétrica de Belo Monte, as facilidades para captura dos animais aumentaram em proporções geométricas. Outros rios amazônicos também são grandes fontes de descobertas e capturas.
Mas estes espécimes necessitam de transporte para locais onde recebem a devida valoração inicial. Algumas rotas já foram apontadas: de Altamira (PA), passando por Belém (PA), indo para Manaus (AM) e, posteriormente, para o exterior através de navios cargueiros e aeronaves. Esse caminho é reconhecido como um dos dois principais.
O outro teria origem em locais de captura como Itaituba (PA), Altamira (PA) e São Felix do Xingu (PA) com destino inicial para Tabatinga (AM) e posteriormente a Colômbia, onde recebem “certidão de nascimento” como se daquele país fossem originários. Uma vez “esquentados”, seriam encaminhados principalmente para a Ásia e a Europa.
E se você pensa que as grandes cidades do Sudeste brasileiro ficam de fora dos destinos, errou outra vez! No ano de 2000, a equipe do Núcleo de Crimes Ambientais da Polícia Federal no Rio de Janeiro (NPRCMA/PF/RJ) foi procurada por um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro que denunciou a prática de tráfico internacional de peixes do gênero Fundulus sp., cujo ciclo de vida se faz de maneira muito rápida, após o substrato em que fazem postura, antes seco, receber água. A raridade do animal chamou atenção de japoneses que os procuravam em lojas especializadas no centro da cidade maravilhosa. Valores incalculáveis eram pagos! Ocorreram prisões, porém, com toda certeza o problema ficou longe de ser resolvido.
Espécies nacionais, como acari-zebra (Hypancistrus zebra), podem chegar a valores que superam os 500 dólares a unidade. No mesmo ano, iniciamos uma investigação em feiras livres, também no município do Rio, onde identificamos os famosos vendedores de peixes em saquinhos e acabamos chegando a um grande depósito clandestino no bairro de Vigário Geral. Todos os espécimes lá apreendidos fizeram parte do primeiro aquário da, então, Fundação RioZoo.
Apesar de muito criticado – pelo número de mortes ser alto durante o armazenamento e transporte -, o comércio legalizado movimenta milhões de espécimes diariamente em mercados como o Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado), maior feira de peixes de São Paulo, na cidade de Santo André.
Fontes:
Investigações e IPLs do então NPRCMA/PF/RJ, Rede Liberal (Globo PA), Ministério do Meio Ambiente e SBT.