Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
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Todos nós já nos deparamos com frases que, na maioria das vezes, entendemos o que querem dizer, mas desconhecemos suas origens – na verdade, sequer pensamos muito sobre isso. São os chamados ditados populares, quase sempre oriundos de muito tempo atrás e que, transmitidos de forma oral, eventualmente tiveram sua ortografia e significado alterados ao longo das gerações [1]. Também chamados provérbios ou adágios, são frases de caráter popular, geralmente moral, com texto mínimo e que se baseiam no senso comum de um determinado contexto.
Desempenhando papel importante na nossa vida diária [2], muitos provérbios fazem menção a animais. Por sinal, grande parte da simbologia e da metáfora no presente e no passado humanos se refere aos demais integrantes do mundo animal [3]. Dentre essas expressões populares zoológicas, algumas nos brindam com interessantes menções a insetos. Mas, em linhas gerais, os insetos, grupo dominante no planeta, os campeões em diversidade de espécies e abundância de indivíduos, são proporcionalmente raros nas expressões – isso em comparação aos cães, gatos, cavalos, porcos, galinhas, sapos, cobras e outros vertebrados, esses sim bem mais comuns na boca do povo.
No que se refere a tais menções entomológicas, especificamente aquelas presentes em expressões futebolísticas, elas foram tema recente nesta coluna [4], sendo citados os pernas de pau que “matam mal a barata” (ou, em linguagem sem graça, dominam mal a bola) e os goleiros frangueiros que saem “catando borboleta” (saem mal do gol e não conseguem dominar a bola, diriam os chatos de galochas), respectivamente aludindo aos insetos das ordens Blattodea e Lepidoptera. Também foram mencionadas as(os) “formiguinhas”, jogadores que se caracterizam por um trabalho incessante, com muito esforço e dedicação, em homenagem aos laboriosos e incansáveis insetos integrantes da família Formicidae (ordem Hymenoptera).
Outras expressões entomológicas utilizadas no mundo do futebol e que também exaltam integrantes da ordem Hymenoptera fazem menção às reclamações vociferantes que alguns treinadores pouco comportados costumam fazer, quase sempre contra a arbitragem do jogo. Nesses casos, diz-se que os reclamões saem “cuspindo abelhas-africanas” ou, em versão mais tradicional, “cuspindo marimbondos”, referindo-se respectivamente às famílias Apidae e Vespidae, popularmente temidas por conta da ação de suas ferroadas. Por isso, como diz a sabedoria popular, não se deve “colocar a mão em vespeiro”.
Por falar nas abelhas, esses importantes insetos também são considerados trabalhadores exemplares, característica muitas vezes mostrada em mídias visuais da cultura pop, como filmes e desenhos animados. Elas também representam muito bem os sentimentos opostos, sendo temidas pela toxina do ferrão, mas admiradas pela produção de mel e outros produtos associados. Uma expressão comum em Portugal menciona o “segredo da abelha” para se referir a algum grande mistério – isso provavelmente pelo fascínio que temos pelo processo de produção melífera [2]. Talvez por aí venha o significado de “abelhudo”, que é alguém muito curioso e até inconveniente, que vive metendo o nariz onde não é chamado. Um provérbio chinês diz algo como “o segredo do mel é que a abelha não leva pólen de flor caída” [6], provavelmente inspirado no rígido controle de qualidade das frenéticas atividades dentro da colmeia. No mundo dos humanos, isso faz todo o sentido. Para confirmar, basta perguntar a um bom cozinheiro sobre a importância de se escolher bem os ingredientes de uma receita. Aqui pelo Brasil, há a expressão “onde tem mel, tem abelha”, herdada de Portugal (“onde está o mel lá estão as abelhas”, falam os amigos lusitanos), querendo dizer que onde está o bom, o fácil, vai ter mais gente. Tremendo efeito de grupo, algo comum na nossa espécie.
Assim como visto acima, a força de trabalho das formigas é exaltada, mas, por seu tamanho pequeno, a expressão “passos de formiga”, cantada por Lulu Santos em “Assim Caminha a Humanidade”, denota lentidão. Outra bem interessante diz que “formiga quando quer se perder, cria asas” [7], que usa uma observação biológica – muitas formigas, como as saúvas, apresentam exemplares alados. Pode ser que alguém tenha observado que, após as revoadas de formigas, cujo objetivo é a reprodução, muitas delas acabam morrendo. Assim, na visão popular, ganhar asas pode não ser lá muito bom negócio. Que o digam as mamães e vovós que, corriqueiramente, ameaçam “cortar as asinhas” de crianças humanas arteiras. Ah, as formigas também emprestam o nome a qualquer sensação desagradável e irritante na superfície da pele, tipo coceira, comichão e prurido, ou aquelas agulhadas que precedem a dormência resultante alguma parte do corpo com sangue preso. É, os Hymenoptera estão realmente entre os insetos de maior importância cultural.
É fato que as moscas (ordem Diptera) costumam pousar em comida desprotegida. É só dar uma bobeada e lá está o insistente inseto cercando nosso alimento. Todo mundo que já foi à uma padaria e se encantou com a prateleira de doces, eventualmente se deparou com algumas moscas dentro do balcão expositor, exatamente onde estavam os sonhos. (Puxa vida, logo no local dos sonhos! Um dos doces mais queridos do Brasil…) Bom, trata-se da famosa “mosca de padaria”, expressão que, transpassada aos humanos, representa aquele cara que dá em cima de várias mulheres, porém sem muito sucesso [8].
Ainda sobre moscas, pensem na seguinte situação hipotética: uma pessoa boceja, enquanto isso passa um inseto voando perto e acaba entrando pela boca aberta. Isso certamente já aconteceu com muitos. Pois é, a indesejável situação deve ser a origem da expressão “em boca fechada não entra mosca”, um conselho para que se meça as palavras antes de dizê-las. Afinal, palavra proferida é como flecha lançada: não tem volta. Ou como diz meu orientador, o professor Jorge Luiz Nessimian, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): “calar é ouro, falar é prata (e, às vezes, lata)”. Há realmente muita preocupação em não se “comer mosca” ou “papar mosca”, expressões que significam bobear, deixar passar uma boa oportunidade. Ou seja, “engolir barriga”.
Para finalizar a jornada pelas expressões com moscas, ao humano que tem aspiração por poder, glória e prestígio diz-se que foi “picado pela mosca azul”, expressão originada no poema “Mosca Azul”, de Machado de Assis, que conta a história de um plebeu que, ao se deparar com uma curiosa mosca azul, com asas de ouro e granada, fica deslumbrado e passa a sonhar com poder e riquezas, ilusão que acaba comprometendo sua sanidade e seu senso de realidade [9]. Uma mosquinha me contou que, no Brasil, a mosca azul tem o hábito de picar os vices…
A pulga (ordem Siphonaptera) não é exatamente um dos insetos mais queridos. O que não é para menos, pois é um parasita que se alimenta do sangue de aves e mamíferos, inclusive nós! Por sinal, geralmente quando o assunto diz respeito aos nossos parasitas, geralmente ficamos “com a pulga atrás da orelha”. Para quem as hospeda, as pulgas são bastante chatas, elas não nos deixam em paz. Por isso, quando estamos inquietos, cabreiros, ou pressentimos algo, usamos tal expressão [2]. Outro parasita, o piolho (ordem Phthiraptera), inspira uma das mais machistas expressões populares zoológicas, “mulher-de-piolho”, significando teimosia [10]. Resumidamente, o conto diz que uma mulher encontrou piolho na cabeça do marido e ficou falando muito tempo sobre isso. Mais ainda, contou a todos o ocorrido e, chateado, o marido passou a puni-la de modo cada vez mais agressivo. Mesmo assim, a mulher continuava a falar que havia encontrado piolho na cabeça do marido. Até que ele, em fúria, amarrou uma pesada pedra nos pés da mulher e a lançou no rio. A pobre caiu na água e começou a se debater, tentando se manter na tona, mas, quando percebeu pessoas que corriam em seu socorro, suspendeu os braços acima da cabeça e fez o gesto de esfregar as unhas dos polegares. Mesmo afundando, se afogando, continuou a fazer o gesto de matar um piolho. O assassino voltou para casa achando ter se livrado da desmoralização. Mas, no dia seguinte, quando foi à feira, todos se dirigiram a ele como o marido da mulher do piolho [11]. Uma explanação que deixa claro do que é capaz essa nossa espécie e mostra quem é o verdadeiro parasita. Semelhante teor narrativo de punibilidade ao feminino já foi abordado em um texto anterior desta coluna [12].
Sabe aquela pessoa muito inquieta, que não para no lugar, não sossega o facho, é agitada toda vida? Dela se diz que “está com bicho-carpinteiro”. Pois é, bicho-carpinteiro é o nome popular de alguns integrantes da ordem Coleoptera [13], o maior grupamento animal do planeta. Isso, parafraseando parcialmente Geraldo Vandré, pra não dizer que não falei dos besouros.
A bióloga Luci Boa Nova Coelho, da UFRJ, contou para esta coluna que sua saudosa mãe, nascida em Portugal, lhe narrava o ditado “faz tua seara onde canta a cigarra”. A justificativa é que as cigarras costumam cantar nos dias quentes e secos de verão português, e em locais onde há cigarras cantando, a princípio, o trigo cresce bem [14].
Retornando aos insetos que levam terror aos futebolistas imperitos, mencionados lá no início desta nossa prosa… Além de aterrorizarem os jogadores pernas de pau, as baratas podem ficar “desbaratadas” e “desbaratinadas” [15], mas eu lembro mesmo é da infância, quando muitas crianças ficavam correndo igual “barata tonta” quando os colegas lhes tomavam os sapatos, amarravam um pé no outro embolando os respectivos cadarços e arremessavam o conjunto para o alto, aos gritos de “barata voa!”; quase sempre os calçados acabavam pendurados nos fios elétricos, para tristeza do dono. E as borboletas, que fazem a tristeza dos frangueiros, deixando os torcedores como se tivessem “borboletas na barriga”, originam o termo “borboletar”, que define aqueles que passeiam despreocupadamente por aí. Esses últimos, enquanto passeiam, podem dar sorte e encontrar um interesse romântico e aí passarão a sentir como se estivessem com “borboletas no estômago”, o popular frio na barriga [16], um tremendo sinal de paixão.
Ao longo da história humana, em algumas culturas os grilos (ordem Orthoptera) são considerados animais de estimação. Símbolos de boa sorte, eles originaram a expressão “não tem grilo”, muitas vezes reduzida a “sem grilo”, querendo dizer que está tudo certo [2]. Já “grilado” é aquele cara cheio de “grilo na cuca” (como bem canta Dudu França), ou seja, cheio de problemas, encucado. Mas o simpático inseto canoro deu origem, inadvertidamente, ao nome de uma das mais prejudiciais atividades, que costuma causar danos ambientais terríveis: a “grilagem”. O termo vem da descrição da antiga prática de envelhecer documentos forjados e lhes conferir uma aparente credibilidade, algo geralmente associado à posse irregular de terras, ao desmatamento e à destruição de áreas naturais. Os papéis falsificados eram colocados em uma caixa ou gaveta contendo grilos e, com o passar do tempo, a ação dos insetos dava aos documentos uma aparência envelhecida [17]. Os malandros (para dizer o mínimo) que lucram com essa prática nefasta são chamados de “grileiros”. É, os grilos não merecem a associação com esse tipo de gente.
Deixei para o final a expressão que nos dá um alento e que é usada quando queremos reforçar a fé, a perseverança e a confiança de que alguma coisa de bom vai acontecer: “a esperança é a última que morre” [18]. Ok, muito provavelmente a esperança original constante no ditado não é exatamente o bonito inseto integrante da ordem Orthoptera, mas sim o edificante sentimento humano. Esse mesmo sentimento que me faz crer que, sim, as esperanças serão as últimas a morrer. Elas, os demais insetos, os outros animais e toda a biodiversidade.
Referências
[1] Brasil Etc. 2013 – ano 7 Edição 82.
[2] Natálie Venclovská. 2010. Animais nos Provérbios Portugueses. Dissertação de Mestrado, Masarykova univerzita v Brně.
[3] https://www.ao.com.br/pet.htm.
[4] https://faunanews.com.br/2021/06/16/tai-o-que-voce-queria-o-futebol-dos-insetos.
[5] Da-Silva, E.R. 2018. No gogó da ema: a Zoologia no jargão dos boleiros brasileiros. In: Coelho, L.B.N. & Da-Silva, E.R. (ed.), III Colóquio de Zoologia Cultural – Livro do evento. A Bruxa 2 (especial 3): 158-159.
[6] www.desdemitrinchera.com/2012/06/21/el-secreto-de-la-miel-la-abeja-no-toma-polen-de-una-flor-caida-proverbio-chino
[7] https://www.pensador.com/frase/MTk2MDI2Mw
[8] https://dicionariodeexpressoes.com.br/busca.do?expressao=Mosca%20de%20padaria
[9] https://www.dicio.com.br/mosca-azul
[10] https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/mulher-do-piolho/2110
[11] https://eixodoleitorcrateus.blogspot.com/2015/08/a-mulher-do-piolho.html?m=0
[12] https://faunanews.com.br/2020/10/21/insetos-no-folclore-brasileiro-muitas-narrativas-refletindo-discriminacoes-e-padroes-de-comportamento/
[13] https://recreiodobutia.blogspot.com/2009/04/besouro-serrador.html
[14] Amaral, Paulo P.B. 2014. Análise da fundamentação agronómica dos provérbios agrícolas portugueses. Dissertação de Mestrado em Engenharia Agronômica, Universidade de Lisboa.
[15] https://leojoao.wordpress.com/tag/desbaratar/
[16] https://www.awebic.com/de-onde-surgiu-a-expressao-borboletas-no-estomago/
[17] https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/areas_prioritarias/amazonia1/ameacas_riscos_
amazonia/desmatamento_na_amazonia/grilagem_na_amazonia
[18] https://www.gabarite.com.br/dica-concurso/728-significado-do-ditado-popular-a-esperanca-e-a-ultima-que-morre
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