Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaborada do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Quem aí já participou de um monitoramento em estradas procurando por carcaças de animais atropelados sabe o quanto é difícil encontrar anfíbios. Eles são um dos grupos de animais mais afetados pelas estradas. Isso porque não evitam atravessá-las, como pode acontecer com outros animais que apresentam diferentes comportamentos, como evitar ou acelerar a travessia. Os anfíbios são também, na maioria das vezes, muito menores que os demais vertebrados encontrados atropelados – mamíferos, répteis e aves –, o que dificulta sua detecção e facilita a remoção das carcaças.
No entanto, ignoramos essa diferença de tamanho e a busca por carcaças desses animais normalmente ocorre da mesma forma que os demais: percorrendo a via em um veículo a menor velocidade possível (usualmente 40 ou 50 km/h). Falo aqui principalmente de estudos ambientais feitos para avaliação do impacto de atropelamento de fauna dentro dos processos de licenciamento ambiental.
Vocês já pararam para pensar que estudos que utilizam o mesmo método de amostragem para todos os grupos de vertebrados normalmente encontram que o grupo mais afetado é o dos mamíferos? Certamente essa conclusão carrega um enorme viés devido às diferenças de tamanho desconsideradas entre os grupos de animais.
É uma falácia dizer que os anfíbios não são uma preocupação porque não foram encontrados. Já vi essa conclusão em alguns estudos de duplicação de rodovias.
Se anfíbios são alvo de mitigação dos estudos ambientais do licenciamento e se quem não é visto não é mitigado, realmente não estamos procurando por eles da melhor forma. Não há como fazer uma avaliação de locais com agregação de atropelamento de anfíbios percorrendo uma rodovia a 50 km/h. Pior ainda: não há como propor medidas de mitigação para anfíbios baseadas nos dados gerados para os demais vertebrados encontrados atropelados. Não sabemos ainda se anfíbios também utilizam as passagens de fauna normalmente propostas para outros grupos de vertebrados. Entretanto, sabemos que as cercas de alambrado usualmente propostas para os grupos maiores não funcionam para anfíbios.
Por outro lado, há uma série de estruturas alternativas propostas para mitigação de atropelamento desses animais menores, algumas delas já foram inclusive testadas quanto a sua efetividade. Toda medida de mitigação deve ter um objetivo e um grupo de animais como alvo dessa mitigação. Por isso, antes de pensar em propor mitigação, precisamos melhorar a forma usada para amostrarmos esse grupo. Caso contrário, a chance de gastarmos recursos indicando lugares inapropriados para mitigação de anfíbios é grande.
Mas existe alguma solução? Certamente, a primeira delas é definirmos o que estamos avaliando e mitigando (ou tentando mitigar). A segunda é pensarmos em uma amostragem adequada para o nosso grupo foco. A melhor alternativa para anfíbios, por exemplo, pode ser o monitoramento a pé. Para isso, talvez você precise de equipes maiores, já que pode ser inviável monitorar a pé trechos de rodovias muito grandes com uma equipe reduzida. Outra alternativa pode ser fazer uma seleção prévia de áreas úmidas, já que os anfíbios são animais estritamente associados a elas.
Sobretudo, precisamos parar de procurar agulha no palheiro e admitir que estamos negligenciando esse grupo de animais. Reconhecer nossas falhas é o primeiro passo para aprimorar nossos estudos.
Quando acabei de escrever, me lembrei que hoje é dia do biólogo! Parabéns aos colegas de profissão! Que nós sejamos biólogos mais responsáveis, questionando sempre que necessário e tomando mais decisões baseadas em evidências.
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