Engenheiro agrônomo e mestre em Sistemas Costeiros e Oceânicos. É coordenador geral do Programa Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) da Associação MarBrasil e professor na pós-graduação em Biologia Marinha pela Universidade Espírita (PR)
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O nome científico do mero, Epinephelus itajara, tem origem no tupi-guarani ita = pedras e jara = senhor e está relacionado ao seu hábito de viver entre rochas e ao seu porte imponente. Nada mais apropriado, já que esses peixes podem medir mais de dois metros de comprimento, pesar mais de 400 quilos e viver pelo menos 40 anos.
Os meros habitam recifes rochosos, recifes de coral e recifes artificiais, como estruturas de concreto, naufrágios, plataformas de petróleo e pilares de pontes e marinas. Há registro da espécie nos dois lados do oceano Atlântico. Na porção oeste ocorre desde a Flórida, nos Estados Unidos, passando pelo Golfo do México e Mar do Caribe, até Santa Catarina, no Brasil. Na costa leste, pode ser encontrado desde o Senegal até o Congo.
Mesmo com essa vasta distribuição, a espécie foi classificada como Criticamente Ameaçada de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) na avaliação global por muitos anos. Isso porque, apesar de um peixe assim tão grande pareça assustador, o senhor das pedras é um gigante gentil. Ele não se intimida facilmente com a presença humana e, na maioria das vezes, permite a aproximação de mergulhadores. Esse comportamento dócil facilita a sua captura, que entre outros fatores, o levou ao risco de extinção. Nos Estados Unidos, por exemplo, as populações de mero foram reduzidas a quase 20% em 1990.
A importância do mero para os ecossistemas que habitam vai além da sua presença majestosa. Durante a fase adulta, peixes dessa espécie não têm predadores naturais conhecidos. Ele é um peixe predador carnívoro de topo de cadeia, que se alimenta de outros peixes, crustáceos e moluscos. Através da sua alimentação, o mero controla o tamanho das populações de suas presas. Isso significa que, sem ele, as relações entre as espécies podem ser alteradas, prejudicando o funcionamento do ecossistema. Além disso, por meio da sua dieta, este e outros grandes predadores podem combater o estabelecimento de espécies invasoras.
Na maior parte do ano, os meros adultos costumam viver solitários ou em pequenos grupos. Mas, durante o período reprodutivo, eles podem formar grandes agregados com mais de 100 indivíduos. No Sul do Brasil, o período reprodutivo ocorre no verão, quando as maiores temperaturas da água são registradas. Durante esse período, eles podem realizar longas migrações, de mais de 300 quilômetros entre os recifes onde residem e os locais de desova, ou seja, áreas costeiras próximas a estuários. Os ovos e as larvas de meros são planctônicos, ou seja, eles ficam à deriva na coluna d’água e são transportados pelas correntes. As larvas, com poucos milímetros de comprimento, eclodem do ovo 24 horas após a fecundação e permanecem entre 30 e 80 dias na coluna d’água. Elas possuem espinhos bastante alongados e cheios de espículas nas nadadeiras dorsal e pélvica.
A fase adulta começa a partir da maturação sexual, que nos meros é tardia e só ocorre a partir dos seis ou sete anos. Nessa idade, eles já apresentam mais de um metro de comprimento e pesam mais de 30 quilos. Certamente, um grande troféu para muitos pescadores. Porém, quando os peixes são capturados antes de terem a oportunidade de se reproduzir ao menos uma vez, eles não contribuem para a manutenção da população, ou seja, não deixam descendentes para dar continuidade a existência da espécie. Dessa forma, a maturação tardia do mero é mais uma das características biológicas que o torna vulnerável à explotação pesqueira.
Nas últimas décadas, a instalação de recifes artificiais no Paraná através do Programa Rebimar tem disponibilizado novos habitat para os meros, que passaram a utilizar alguns desses locais durante o período reprodutivo. Recentemente, a criação do Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais contemplou esses recifes artificiais adjacentes ao arquipélago, protegendo esses locais que são de grande valor para a manutenção das populações de meros.
Outro ponto crítico para a preservação da espécie são os ambientes estuarinos onde muitos manguezais são encontrados. A degradação e supressão destes ecossistemas têm aumentado devido a operações de dragagens e a liberação de efluentes domésticos e industriais, causadas pela expansão urbana e portuária nessas regiões.
Na tentativa de proteger o mero da extinção, a sua pesca foi proibida em diversos lugares, como nos Estados Unidos a partir de 1990 e o no Caribe em 1993. No Brasil, essa medida só foi adotada em setembro de 2002. Desde então, ainda que os desembarques de meros tenham diminuído em até 70%, estima-se que 393 toneladas foram desembarcadas anualmente entre 2003 e 2011 ao longo da costa brasileira. Isso nos mostra que, além de estabelecer medidas eficazes de conservação, é necessário aumentar os esforços de fiscalização para que a legislação vigente seja cumprida e atinja os resultados esperados.
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