Por Andreas Kindel
Biólogo, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
transportes@faunanews.com.br
Um estudo recente trouxe evidências adicionais a um efeito indireto surpreendente da presença de grandes predadores na paisagem: no estado do Wisconsin, condados (unidade territorial estadunidense) com presença de lobos tiveram 24% menos colisões de veículos com cervídeos, principal grupo faunístico envolvido em acidentes com danos para pessoas e bens por lá. Os autores calcularam que as perdas econômicas evitadas com essa redução de colisões superam, com folga, os gastos com a compensação de pessoas que perderam animais de criação ou de companhia em decorrência de ataques de lobos.
Outro aspecto interessante é que essa redução de colisões de veículos com cervídeos não decorreu da redução da população deles por causa da predação pelos lobos. Os cervos deixaram de usar ou usaram menos as áreas com alcateias estabelecidas, uma resposta comportamental de redução do risco de predação, fenômeno abrigado sob o conceito de “paisagem do medo”.
Podemos esperar algo parecido em estradas brasileiras? Bastante improvável. Os predadores da nossa fauna de grande porte, as duas espécies de onças, são caçadores solitários, que vivem em baixas densidades e são intensamente perseguidos. Onde são menos perseguidos, existem menos estradas ou estradas de baixo tráfego, ou seja, menos risco de colisões entre veículos e presas dessas espécies.
Isso não significa que não possamos ser surpreendidos no futuro. Um estudo de simulação sobre o efeito da recuperação das populações de pumas (nossa onça-parda) no oeste dos EUA projetou resultados similares de redução de colisões veículos-animais aos encontrados neste estudo com os lobos.
Fazendo uma analogia, poderíamos pensar na criação de “paisagens do medo” com medidas de comando e controle, como ações de fiscalização e punição de motoristas ou medidas educativas de alerta de risco de colisões. Embora não avaliadas sistematicamente por aqui, é razoável esperar que medidas como essas não venham a gerar “medo” suficiente nos motoristas para observarmos reduções de colisões sustentadas no tempo e espaço.
Resumindo: enquanto o sucesso de eventuais mecanismos de “mitigação” de colisões com fauna baseados em mudanças de comportamento de qualquer um dos componentes dessa interação (motoristas ou animais) não são revelados por aqui, dependemos exclusivamente de intervenções estruturais nas estradas (como cercas e passagens de fauna ou, sobretudo, rotas melhores). O argumento econômico (prejuízos materiais, perda de produtividade dos afetados) e riscos à saúde pública (agravos de saúde e mortes de usuários) utilizados para promover a implantação dessas medidas de mitigação estruturais, a partir de um olhar ecológico, não deixam de ser uma versão da promoção da “paisagem do medo”. Interessante que nessa prática, podemos reconhecer tanto a “presa” como o “predador” e o beneficiário como sendo os humanos. Dentro de uma perspectiva exclusivamente antropocêntrica, é uma alternativa.
Não me satisfaz… Mas é uma alternativa! E talvez seja uma alternativa importante para mobilizar público e tomadores de decisão.
– Leia outros artigos da coluna FAUNA E TRANSPORTES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)