Lobas del Sur: uruguaias lideram pesquisa sobre aranhas no sul da América Latina

Projeto também discute viés de gênero e protagonismo feminino na Ciência.

Kimberly da Silva Marta

Natural de Gravataí (RS), possui bacharelado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), onde foi bolsista ProUni. É mestra em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutora em Biologia pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia: Diversidade e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Em 2012, iniciou sua carreira na iniciação científica, com projetos voltados à curadoria da coleção de Arachnida e Myriapoda no Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS. Posteriormente, começou projeto no Museu de Ciências Naturais (SEMA – ex FZB-RS) com morfotipagem de aranhas da família Salticidae (papa-moscas), em que recebeu menção honrosa no salão de iniciação científica de 2013 da instituição. No mestrado, o projeto desenvolvido foi com comunidades de aranhas dos Campos Sulinos. E no doutorado, focou-se na compreensão de taxonomia de grupos recentes e na filogenia do gênero de aranhas papa-moscas Tullgrenella Mello-Leitão, 1941.
Ciência, aranhas e popularização científica são as paixões de Kimberly. Durante toda sua carreira, esteve envolvida nos estudos com a aracnofauna. Também foi professora de cursinhos populares pré-vestibulares com o intuito de buscar uma educação igualitária entre as diferentes classes sociais e fazer com que mais jovens de baixa renda consigam realizar seus sonhos e objetivos.
Sua maior descoberta foi a descrição, em colaboração com colegas latino-americanos, da espécie de aranhas de número 50 mil, trabalho que lhe rendeu uma retratação pelo World Spider Catalog.
Cláudia Xavier

Natural de Belém (PA), tem licenciatura plena em Ciências Naturais com habilitação em Biologia pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e mestrado em Zoologia (subárea Evolução) pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Atualmente, é doutoranda em Zoologia (UFPA/MPEG). Desde 2014, trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi, onde desenvolve diversos projetos envolvendo, principalmente, taxonomia de aranhas e inventários de araneofauna.
Educação ambiental e divulgação científica são paixões de Cláudia. Durante toda a sua graduação e pós-graduação, esteve envolvida com projetos nessas linhas. Junto com outros colegas aracnólogos e entomólogos, criou o Grupo de Estudos de Artrópodes da Amazônia – GEAA (Instagram e Facebook), que promove educação ambiental focada em artrópodes através de redes sociais, exposições e outros eventos para a sociedade, além de eventos de discussão das temáticas mais recentes envolvendo esses fantásticos animais entre a comunidade acadêmica. Cláudia fez parte do grupo desde sua fundação, em 2018, até o início de 2021.

09 de abril de 2025

FAUNA NEWS Lobas del Sur: uruguaias lideram pesquisa sobre aranhas no sul da América Latina

O projeto Lobas del Sur explora um grupo de aranhas cujos comportamentos fogem ao esperado para esses animais: as fêmeas são ativas e responsáveis pelo cortejo, enquanto os machos, maiores, são sedentários. A pesquisa investiga as possíveis causas desses fenômenos atípicos, que podem estar relacionadas a influências históricas sobre os padrões sexuais ou a variáveis ambientais que moldam essas características incomuns. Além disso, o estudo visa contribuir para a discussão sobre a origem das estratégias sexuais na Zoologia, promovendo uma ciência sem fronteiras e livre de preconceitos.

Significado do nome

O nome Lobas del Sur significa “Lobas do Sul”, uma referência à família de aranhas com que o projeto trabalha: as aranhas-lobo. Essas aranhas pertencem à família Lycosidae Sundevall, 1833, derivada da palavra grega “lykos”, que significa “lobo”. Além disso, a família está como a quarta maior em termos de número de espécies descritas, com 2.491 espécies distribuídas globalmente com exceção dos polos (World Spider Catalog 2025). Estão nas florestas, nos campos e nas praias.

As aranhas-lobo podem ser rapidamente identificadas pelo padrão ocular 4-2-2 e algumas apresentam um padrão de mancha como um desenho de flecha no dorso do abdômen. Em alguns casos, elas são confundidas com as temidas armadeiras, entretanto, não apresentam sérios riscos aos seres humanos, apesar de que, em caso de acidente, a picada pode gerar vermelhidão no local, alergia e, em alguns casos mais graves, a necrose da pele.

As aranhas-lobo fêmeas podem apresentar um cuidado maternal muito interessante: carregam seus filhotes no dorso do abdômen até certas mudas dos juvenis, comportamento raro entre as aranhas. O comportamento de predação desses animais, por incrível que pareça, não é através de uma grande teia. Na verdade, elas são exímias caçadoras-corredoras de solo.

A equipe Lobas del Sur busca investigar a diversidade de estratégias sexuais em aranhas-lobo da subfamília Allocosinae, com foco nas espécies Allocosa senex (Mello-Leitão, 1945), Allocosa marindia Simó, Lise, Pompozzi & Laborda, 2017 e Paratrochosina amica (Mello-Leitão, 1941). Essas aranhas-lobo do sul habitam ambientes costeiros da América do Sul. A pesquisa busca entender principalmente quais os fatores ambientais e evolutivos que moldam seus traços sexuais atípicos.

Um dos principais desafios do projeto será transformar o medo e a rejeição que as aranhas frequentemente provocam nas pessoas em admiração. A estratégia será fornecer informações de forma didática, utilizando imagens, vídeos e materiais lúdicos sobre esses animais fascinantes. A equipe também mostrará como reconhecer as poucas espécies potencialmente perigosas para os seres humanos e destacará a mensagem de que as aranhas são aliadas no controle de populações de outros artrópodes.

Equipe e colaboração

A equipe é composta por pesquisadores e estudantes de diferentes países envolvidos nas expedições de campo (Uruguai, Argentina, Brasil e Chile). Em todas as expedições são formados grupos diversos, com estudantes e pesquisadores experientes, incluindo pelo menos um colaborador do país visitado, o que garante intercâmbios produtivos entre os membros do projeto. O nome das redes sociais foi estrategicamente pensado e criado pelas fundadoras do projeto, Anita Aisenberg e Leticia Bidegaray.

Fauna News – O que você sentiu e ainda sente quando está trabalhando com essas aranhas?

Anita Aisenberg – Essas aranhas são muito mais do que aranhas. Elas nos fazem repensar nossa forma de observar e interpretar o mundo ao nosso redor. Nos confirmam a necessidade de criar grupos diversos que ofereçam perspectivas diversas na Ciência. Elas nos contam sobre o impacto que, como humanos, causamos nas praias arenosas e a urgência de mitigar esses efeitos adversos. São símbolo do valor das observações de história natural e de tudo o que podemos descobrir na América do Sul, mesmo com acesso limitado a recursos. Por fim, nos fazem perceber o valor incomparável do que é diferente, do que foge ao padrão.

Fauna News – Quais os principais desafios em ser uma investigadora mulher nesses projetos?

Anita Aisenberg – Liderar esse tipo de projetos apresenta muitos desafios, mas também oportunidades. Os principais desafios estão relacionados a estar à altura no momento de defender sua posição e conhecimento de forma constante. Ao mesmo tempo, permite visualizar que somos mulheres exploradoras da natureza, que nos sujamos, que escalamos montanhas e percorremos selvas. Isso tem grande valor não só para a Ciência, mas para a sociedade como um todo, pois permite inspirar vocações em outras e outros.

Fauna News – Como foi para vocês o processo criativo do nome do projeto?

Leticia Bidegaray-Batista – O título foi criado coletivamente e pensado durante vários dias. O título de um projeto, embora possa parecer algo simples, leva vários dias para ser concretizado. Tentamos que ele refletisse a importância de uma visão diversa da ciência a partir de várias disciplinas para responder o principal, que são as perguntas biológicas. Também quisemos destacar o valor da construção coletiva, onde o trabalho de todas e todos é fundamental.

Fauna News – E para você, Leticia, quais os principais desafios por ser mulher nesse tipo de trabalho?

Leticia Bidegaray-Batista – Em quase todas as profissões, ser mulher impõe o desafio de mostrar à sociedade que somos capazes de liderar. É preciso estar sempre explicando e defendendo nossas ideias e formas de trabalhar, que muitas vezes são diferentes das tradicionais. Superar esses obstáculos não é fácil, mas, uma vez superados, também é uma forma de destacar a importância de desenvolver ciência transdisciplinar.

Anita e Leticia são notáveis por não medirem esforços em diferentes projetos científicos que resultaram em vários artigos publicados (veja nas referências) e por reforçarem a importância da luta incessante contra o viés de gênero na academia e na sociedade.

Duas espécies de aranhas foram descritas e nomeadas em homenagem a Anita Aisenberg: a aranha papa-moscas Tullgrenella aisenbergae Marta, 2024 e a aranha-caçadora Macrinus aisenbergae Rheims, 2025. Receber essa homenagem e marco histórico por duas outras aracnólogas (Kimberly Marta e Cristina Rheims – veja referências) denota a importância do trabalho dela, seja na pesquisa ou luta contra o viés de gênero na aracnologia. A força feminina vem sendo observada também em outros projetos do Uruguai, como a criação da edição especial mês da mulher no volume 34, número 1, de 2025 do Boletín de la Sociedad Zoológica del Uruguay e dos projetos: ¿Quiénes son ellas?, Belleza Inesperada – Ciencia al Toque.

Metodologia e desenvolvimento do projeto

A equipe iniciou as coletas de campo no Uruguai, Argentina, Brasil e Chile para estudar as espécies mencionadas. As localidades foram escolhidas com base em dados anteriores, abrangendo diferentes características ambientais. As coletas acontecem uma hora após o pôr do sol, durante o verão de cada hemisfério, com coletas manuais por 90 minutos em duas noites consecutivas, usando lanternas de cabeça. A equipe registra o número de fêmeas e machos ativos na superfície e mede as características corporais dos adultos, comparando-as entre sexos, locais e espécies.

Perspectivas

A equipe espera contribuir para a discussão sobre os fatores que influenciam as estratégias sexuais e o dimorfismo sexual no reino animal. As hipóteses sobre a segurança do hábitat serão testadas, considerando os efeitos da salinidade, pela primeira vez em aracnídeos. O sequenciamento do genoma de Allocosina senex permitirá a identificação de loci (localização de um gene ou marcador genético específico em um cromossomo) sujeito à seleção em resposta a características fenotípicas e variáveis ambientais.

O projeto também contribuirá para o conhecimento das aranhas Allocosinae em áreas como campos e praias arenosas, que estão sob forte impacto humano e necessitam urgentemente de conservação. Os resultados serão compartilhados com a comunidade científica por meio de apresentações em cursos e congressos, além de publicações científicas e de divulgação.

Conclusão

O projeto Lobas del Sur vai além da pesquisa científica. Ele desafia as normas estabelecidas tanto na biologia quanto na sociedade. Ao investigar as estratégias sexuais atípicas das aranhas-lobo, em que as fêmeas são ativas e líderes do cortejo, o projeto se torna uma metáfora poderosa contra as construções de gênero e as estruturas machistas que ainda permeiam a Ciência e outros campos do saber.

Ao divulgar essas descobertas, o projeto não apenas amplia o conhecimento científico, mas também promove uma mudança cultural, incentivando a aceitação das diferenças e a valorização da diversidade, tanto no reino animal quanto na sociedade. Em última análise, Lobas del Sur nos convida a refletir sobre o poder da colaboração e da quebra de estigmas, mostrando que, assim como as aranhas-lobo, podemos todos ser protagonistas de nossas próprias histórias.

Referências

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Sobre o autor / Kimberly da Silva Marta

Natural de Gravataí (RS), possui bacharelado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), onde foi bolsista ProUni. É mestra em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutora em Biologia pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia: Diversidade e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade […]

Sobre o autor / Cláudia Xavier

Natural de Belém (PA), tem licenciatura plena em Ciências Naturais com habilitação em Biologia pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e mestrado em Zoologia (subárea Evolução) pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Atualmente, é doutoranda em Zoologia (UFPA/MPEG). Desde 2014, trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu […]