
Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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A expansão da malha rodoviária pode ocorrer de diferentes formas, com a construção de novas estradas, a pavimentação de estradas de chão e a duplicação de rodovias de pista simples, por exemplo. Para sabermos qual o impacto dessas ações no ambiente, é necessário avaliar o contexto antes e depois delas ocorrerem. Embora as duplicações sejam recorrentes, são poucos os estudos avaliando o que acontece com o número de atropelamentos de fauna ao longo do processo.
Em um artigo publicado no início de 2022, pesquisadores brasileiros avaliaram justamente isso. Durante cinco anos, ao longo da duplicação de um trecho da BR-101 no Rio de Janeiro, os autores realizaram monitoramentos de fatalidades para avaliar como as alterações estruturais da expansão da rodovia afetaram as fatalidades do ouriço-cacheiro (Coendou spinosus).
Eles avaliaram a relação de diferentes variáveis (presença de barreira física entre as pistas, presença de obra no trecho, número de pistas e a média diária de tráfego) com a taxa de fatalidades. Eles encontraram que o número de pistas e a presença de barreira física (blocos de concreto modelo New Jersey) são as variáveis com maior efeito sobre as mortes. Sendo que o aumento do número de pistas reduz a taxa de mortalidade enquanto a presença de barreira aumenta a taxa. O aumento no tráfego e a presença de construção também contribuem para aumentar a taxa de mortalidade, mas tem efeito menor que a outra variável.
Como os autores acompanharam o processo todo de duplicação, foi possível identificar que durante a obra o número de mortes foi mais alto e depois que a construção acabou as fatalidades reduziram. Esse resultado reforça que as diferentes alterações estruturais afetam a mortalidade desses animais durante a obra da duplicação e que o aumento do número de pistas pode ser responsável por reduzir as mortes quando a obra estiver concluída. Contudo, é importante ter cautela ao considerarmos esse resultado como algo padrão em duplicações, pois o estudo avaliou uma única espécie e que tem hábitos arborícolas, podendo ser mais difícil para ela transpor uma rodovia duplicada.
Destaco também o resultado dos pesquisadores em relação a presença de barreiras físicas. Em muitas rodovias duplicadas, vemos a presença de New Jersey (com ou sem grade em cima) dividindo os dois sentidos da via. A presença dessas estruturas é uma forma de aumentar a segurança dos condutores de veículos, mas em relação aos animais, elas acabam aumentando o risco de colisão, pois impedem que a fauna cruze para o outro lado. Uma alternativa sugerida pelos autores é a instalação de mecanismos de escape para os animais ou, mais simples ainda, pequenas aberturas entre as barreiras para permitir que eles cruzem a barreira.
Baseado nesse trabalho, proponho pensarmos nas diferentes etapas da duplicação. O fato de animais morrerem mais durante a obra é um resultado interessante e precisamos entender melhor o que está sendo responsável pelas mortes durante essa fase. Entendendo isso, poderemos focar os esforços de mitigação nos mecanismos causadores e reduzir o impacto nessa etapa.
Considerando a redução nas mortes encontrada no estudo após a duplicação, podemos refletir sobre o que pode estar causando isso. Pois se o aumento no tráfego mostrou ter efeito positivo no número de mortes, seria esperado que uma rodovia duplicada (e por isso com mais tráfego) tivesse mais mortes. Entretanto, talvez essa redução se deva ao fato de a pista ser tão larga que os animais não a cruzem mais, gerando um outro impacto, o de efeito barreira. Nesse contexto, as medidas de mitigação devem ser voltadas para aumentar a conectividade entre os lados da rodovia. Saliento que o evitamento da via é uma das possibilidades que devemos considerar, mas isso não foi um resultado do trabalho e não pode ser assumido sem antes ser avaliado.
Sabemos muito pouco sobre as duplicações e trabalhos como esse são extremamente necessários para começarmos a pensar no impacto que essas obras podem causar na fauna.
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