
Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Em 2011, o guia de observação de aves e ex-metalúrgico Gustavo Pinto avistou um mocho-dos-banhados (Asio flammeus) pela primeira vez, em uma área de mato em Americana, município paulista vizinho a Santa Bárbara d’Oeste, onde mora. Esse lindo rapinante costuma habitar áreas campestres abertas, rurais ou urbanas e especialmente próximas a trechos alagados.
Pouco tempo depois desse primeiro encontro com o mocho, Gustavo, acompanhado pelo seu filho mais velho, Murilo, na época com menos de 10 anos, encontrou o macho do casal de rapinantes morto. Conversando com a população que morava nas proximidades para saber o que levou a ave à morte, é informado que ela foi morta a pedradas por um supersticioso morador, que temia o “mau agouro” que costumava ser atribuído às corujas.
“Não podia deixar isso continuar acontecendo. Até para dar um bom exemplo ao Murilo, que agora quer ser biólogo”, conta Gustavo. Outra ameaça ao mocho é que, por ter o hábito de fazer seus ninhos em moitas de capim, como a braquiária, diferentemente de outras corujas, ele se arrisca toda a vez que o capim cresce. Isso porque muitas pessoas têm o hábito de colocar fogo no capim quando ele fica alto. Sem falar nos que descartam indevidamente e depois queimam o lixo no terreno.

Começava assim um programa de educação daquela comunidade. Os objetivos eram desmistificar a questão da superstição com relação às corujas e, principalmente, conscientizar para a importância da proteção do habitat do mocho, para que essas aves pudessem se reproduzir e ter sua população aumentada e não ameaçada.
Campanhas
Uma das primeiras ações foi uma campanha com observadores de aves de todo o Brasil para registrar as aves na região e, com a publicação dessas fotos em sites e mídias sociais, além de matérias em jornais e na TV (como no programa Terra da Gente, veiculado em diversas regiões do país), chamar a atenção da comunidade para a importância da preservação da espécie. Sem falar no despertar do sentimento de orgulho e pertencimento da população local, vizinha da coruja “famosa”.
Eu mesma fui mais de uma vez a Americana fotografar o mocho-dos-banhados, guiada pelo Gustavo.
Outra ação foi a conscientização dos líderes comunitários locais sobre a importância da conservação do mocho – e de outras corujas, como a buraqueira, a orelhuda e a suindara, espécies que, além de ter sua importância no equilíbrio do ecossistema, ainda controlam a população de roedores – para que eles replicassem informações sobre destinação correta do lixo e para evitar a queima do capim. Para isso, o lançamento de uma campanha de doação de alimentos, que arrecadou mais de 70 cestas básicas para distribuição por esses líderes na comunidade, ajudou, aproximando-os ainda mais da população carente que vive no entorno da área escolhida pelos mochos para procriar.
Gustavo ainda organizou uma campanha de arrecadação de recursos para a compra de mudas de espécies florestais nativas, que doou à população para que fossem plantadas de maneira a formar uma mata ao redor da braquiária, para melhor proteger o capim das queimadas. Eu mesma me interessei em conhecer e acabei contribuindo para a criação desse viveiro.

O manejo correto do capim ajudou a reduzir a mortalidade entre os filhotes dos mochos-dos-banhados, espécie que vive cerca de 23 anos na natureza e que costuma ter de 1 a 3 filhotes por gestação (de 28 a 31 dias). Manter a área de capim roçada a cerca de 40 centímetros de altura favorece a caça pelas mamães-mocho, ao permitir que ela consiga ver melhor os roedores, por exemplo. Dessa forma, ela consegue mais alimento para sua ninhada.

“Antes de a gente aprender esse manejo, costumava morrer um filhote de uma ninhada de três por falta de alimento suficiente. Desde então, a taxa de sobrevivência tem sido praticamente total”, diz Gustavo. Ele explica que nos primeiros dezessete dias de vida dos filhotes, a mãe caça e come a cabeça dos roedores e dá o corpo para os filhotes se alimentarem. Depois do 18º dia, já se veem as pelotas regurgitadas com crânio. Aos sessenta dias de vida, a família já voa e segue a mãe nas caçadas; depois dos noventa, cem dias de vida, começam a caçar sozinhos e vão passar os próximos meses na área rural.
Com essa ajuda, as famílias cresceram e as gerações seguintes passaram a cruzar e formar novos núcleo familiares. Atualmente, já são encontrados cinco casais em cinco áreas distintas e próximas entre si, sendo que alguns animais são reconhecidos e ganharam nomes, como Sálvia e Páprica.
O guia de aves conta que também aprendeu a fazer aceiros para proteger os ninhos, com o que contou com a parceria de um sitiante local, que também comprou a ideia e costuma emprestar o trator para a prática. Esse conhecimento também foi repassado à população local.

Compra da ideia
Envolver a população mostrou ser a atitude mais acertada e, após quatro anos do início dessas ações, as pessoas que ali moram já apagavam os incêndios e marcavam os ninhos com cabos de vassoura pintados de vermelho, para sinalizá-los.

“Se as pessoas não comprassem a ideia, não ia dar certo”, diz Gustavo, falando que hoje consegue viajar “tranquilo” para guiar clientes na observação de aves por diversas regiões do Brasil, com a confiança de que a área está sendo cuidada. “Primeiro você conversa, instrui; aí eles entendem e a coisa flui e vai para a frente”, completa.
E como ninguém vive sozinho e a cooperação contribui para a potencialização dos resultados, além dos líderes comunitários e do sitiante, ele cita entre os parceiros no Projeto Mocho dos Banhados o dentista Marcelo, o empresário Peterson e o profissional de TI Danilo, todos da região. Agora, ele diz sonhar com a parceria com alguma universidade para a colocação de chips nas aves e monitoramento da vida desses indivíduos, muitos dos quais viu nascer.
Em casa, Gustavo também tem a alegria de ver seu trabalho de educação ambiental ter contagiado seus filhos, que, quando podem, acompanham o pai em passarinhadas e no cuidado com os mochos.

Artur, o mais novo, hoje com 10 anos, soma quase 400 espécies de aves registradas na plataforma WikiAves e quer ser médico-veterinário. Murilo, de 15 anos, por sua vez, diz que vai estudar Biologia e já registrou mais de 500 espécies. Ambos ainda fazem listas de registros no eBird, a plataforma do departamento de ornitologia da universidade norte-americana Cornell, uma das maiores referências em Ciências.
Muito bom, rapazes! As novas gerações dos mochos e demais animais agradecem e torcem pelo sucesso de vocês!
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