
Agrônomo e mestre em Sistemas Costeiros e Oceânicos. É coordenador geral do Programa Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) da Associação MarBrasil e professor na pós-graduação em Biologia Marinha pela Universidade Espírita (PR)
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A pesca do camarão é uma atividade amplamente difundida na maioria das sociedades mundiais e devido à grande exploração e degradação dos ambientes, os estoques dos principais recursos pesqueiros têm sofrido grande impacto negativo. Estima-se que 80% dos estoques mundiais de peixes estão totalmente explorados ou sobre explorados. Nas últimas décadas, o declínio dos estoques pesqueiros alertou a comunidade mundial para problemática do bycatch.
O bycatch ou fauna acompanhante é o conjunto de organismos capturados juntamente com a espécie-alvo e que não tem interesse comercial, sendo muitas vezes descartados ao mar. Esse descarte é comum nas pescarias de camarões e representa uma ameaça para os estoques pesqueiros, já que muitas espécies descartadas em fases juvenis podem fazer parte dos recursos pesqueiros explorados por outras pescarias em outras fases de vida.
A pesca de arrasto com portas ou pranchas, amplamente utilizada para a captura de camarões, é uma das pescarias que mais geram bycatch. Estima-se que para cada quilo de camarão pescado, 10 quilos de outros animais marinhos são descartados sem vida ao mar. Além do arrasto de portas, existem outras técnicas alternativas menos impactantes para a captura de camarão, como por exemplo, a pesca de caceio redondo, que é realizada com redes de emalhe de fundo tracionadas por uma embarcação .
As principais técnicas pesqueiras voltadas à captura de camarão-branco (Litopenaeus schimitti) em mar aberto são o arrasto de fundo com rede do tipo manga com pranchas e o caceio redondo ou caracol com malhas 5, 6 e 7 centímetros, sendo que o caceio redondo é muito utilizado no período do defeso do camarão, que ocorre entre os meses de março e maio, no qual a pesca com arrasto de fundo fica proibida.

No Brasil, a arte de pescaria mais impactante é a pescaria de arrasto de fundo de manga redonda com pranchas que objetiva a captura de camarão-branco. Uma rede de arrasto, independente do tipo, possui formato cônico e é tracionada por embarcação motorizada, operando no fundo da coluna d’água, sobre o substrato em ambientes de mar aberto, da arrebentação até cerca de seis quilômetros da costa.

O caceio, arte de pesca de emalhe à deriva, é muito menos impactante e possui algumas modalidades, como o caceio redondo.

O caceio redondo é uma pescaria que difere dos outros tipos de caceio. Nela, a rede, que opera no fundo da coluna d’água, é lançada em linha reta e tracionada pela extremidade pela embarcação motorizada com a intenção de formar uma alça com a rede, que pode variar de um segmento de circunferência a um segmento de contorno elíptico.
Com base em pesquisas realizadas pelo Projeto Rebimar (Recuperação da Biodiversidade Marinha), podemos afirmar que o caceio redondo captura muito pouco camarão sete-barbas, ao contrário do arrasto, e também uma quantidade maior de indivíduos do camarão-branco, além de peixes com aproveitamento comercial. Ou seja, o caceio passa a ser uma modalidade mais seletiva e menos impactante do que o arrasto.

Dados do Projeto Rebimar foram gerados apontando que o caceio redondo é uma arte de pesca alternativa altamente criativa, adaptada de uma técnica passiva e altamente seletiva em termos de tamanho (emalhe) em conjunto com uma pesca ativa com baixa seletividade (arrasto). A importância ecológica e pesqueira no conhecimento da composição da comunidade capturada com o caceio foi pouco estudada, o que é uma lacuna do conhecimento. Portanto, com os resultados de três anos de pesquisa, o que se observou é que o caceio foi menos impactante no sentido de capturar menos espécies, ou seja, a diversidade taxonômica foi menor nas amostras dessa arte.
Embora o ordenamento pesqueiro adotado pelo Ibama e pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) esteja atualmente atingindo um modelo mais participativo e adaptativo, com a atuação dos diferentes segmentos envolvidos na formação dos grupos gestores, a adversidade ocorre em fatores como deficiências da fiscalização e na adoção de claros objetivos no manejo das pescarias.
As medidas mais utilizadas no país são permissões de pesca ligadas às embarcações para controle do esforço; permissão de pesca para os pescadores; paralisação da pesca por um período determinado (defeso) ou em determinado local; restrições sobre aparelhos de pesca; limitação de comprimento e/ou peso dos indivíduos capturados; criação de reservas marinhas; e, mais recentemente, o uso de mecanismos de escape da fauna acompanhante (BRD’s – Bycatch Reduction Devices).
A pesca de arrasto de camarões é uma atividade marcada por conflitos, resultante, dentre outros motivos, de inconsistências nos instrumentos de ordenamento, da baixa qualidade e disponibilidade de informações e da ausência de processos efetivamente participativos na gestão. No que se refere à pesca artesanal de arrasto de camarões, esta é a base da economia familiar em diversas comunidades do litoral sul e sudeste brasileiro, especialmente nos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, onde a fauna acompanhante possui importância comercial e/ou nutricional.
A pesca industrial tem sido apontada como a principal responsável pelo uso desordenado e mais predatório, do ponto de vista socioecológico, dos estoques pesqueiros. Apesar da ocorrência de práticas ilegais e mais impactantes, predomina a utilização de um conjunto diversificado de técnicas eficientes e supostamente com menos impacto sobre os ecossistemas marinho-costeiros, no caso do caceio em relação ao arrasto.
Diante desta situação o gerenciamento da pescaria de camarão deve considerar não somente a espécie-alvo, mas o conjunto da captura, incluindo-se aí o pescado acessório. Essa preocupação, além do cunho ambiental e social, possui também implicações econômicas, pois a parte da fauna acompanhante aproveitada, em muitos casos, é que sustenta a pescaria, enquanto a parte descartada é composta por indivíduos jovens de espécies de valor comercial e por outros pescados cuja aceitação pelo mercado consumidor ainda não foi bem explorada.
Outra questão diz respeito à pesca em locais de criadouro. Por sua notória deficiência, a fiscalização no litoral brasileiro não consegue impedir a captura de indivíduos juvenis, por arrasto, nestes ambientes. Medidas implementáveis, como a colocação de recifes artificiais sobre o fundo, podem reduzir este problema. No litoral do Paraná, uma iniciativa pioneira em cogestão com a comunidade de pescadores local tem tido bons resultados (Projeto Rebimar l), criando um corredor ecológico paralelo à costa do município de Pontal do Paraná, com a instalação de RRL´s (recifes de recrutamento larval).
No projeto, sugere-se também a criação de áreas livres de atividades pesqueiras para permitir a recuperação e a conservação de diversas espécies, de valor comercial ou não, além da criação de unidades de conservação, como o Parque Nacional Marinho dos Currais (PR).
O aumento da seletividade na pescaria de camarão em mar aberto é um processo do qual o Brasil não pode se ausentar. O incentivo a este tipo de pesquisa é passo importante para um efetivo manejo da pesca de arrasto em nossa costa. Uma administração pesqueira coerente e eficaz deve passar, inicialmente, pelo gerenciamento do petrecho de captura e não, unicamente, pelo principal recurso-alvo. Contudo, uma abordagem ecossistêmica é a mais indicada e deve ser utilizada devido à elevada sobreposição espacial entre os diferentes estoques e à grande diferença na composição das capturas dos distintos petrechos.
O conhecimento dos diferentes tipos de técnicas de captura é importante para definir quais as melhores estratégias podem ser adotadas pelos órgãos ambientais, de modo a garantir tanto a sobrevivência das espécies utilizadas quanto das comunidades que delas dependem. O manejo de águas costeiras deveria ser uma prioridade no país, considerando-se o número de pescadores ao longo da costa e a importância da pesca como fonte de alimento e renda para a população. Assim como o comportamento dos pescadores e as estratégias de pesca, quando correlacionados com os estoques pesqueiros, são relevantes nos estudos sobre manejo pesqueiro.
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