
Por Marcelo Calazans
Técnico em agropecuária, administrador de empresas e fotógrafo. Foi professor da disciplina Fotografia de Natureza pelo Senac (MS)
photoanimal@faunanews.com.br
Você sabia que é possível contemplar a natureza dentro das grandes cidades? Ainda mais em tempos de pandemia e isolamento social. A bicharada se sente mais à vontade para dar “as caras” nos parques, bosques e matas dos centros urbanos por conta da ausência de carros, motos e pessoas. Uma variedade muito grande de espécies pode ser registrada pertinho da sua casa; de aves a répteis, mamíferos, anfíbios, insetos etc. E cada uma tem sua particularidade de hábitos, momentos de fuga, ponto de aproximação.
Não dá para detalhar os hábitos de todas essas espécies aqui, mas fiz uma lista com algumas bem interessantes, que podem ser vistas e registradas em muitas cidades do nosso país. E junto com seus hábitos na hora da fotografia, darei algumas dicas técnicas de comportamento (tanto do bicho quanto do fotógrafo) e configurações de câmera para um clique legal. Bora lá!
Vou começar pelo meu “quintal”, onde moro. A cidade de Campo Grande (MS) foi reconhecida esse ano pela Arbor Day Foundations, maior organização não-governamental do mundo da área de arborização urbana, com sede no estado do Nebraska, nos Estados Unidos, como uma das 59 cidades do mundo com o selo “Tree Cities of the World” (Cidades Arborizadas do Mundo, em tradução livre para o português).
O status é um dos mais relevantes do planeta no assunto. Em primeiro lugar, porque também é reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e, em segundo lugar, porque importantes cidades do planeta, como Nova Iorque e São Francisco, nos Estados Unidos, Madri, na Espanha, Milão, na Itália, Paris, na França, e Auckland, na Nova Zelândia, integram a mesma lista. E, realmente, apesar de se tratar de uma grande cidade (com quase um milhão de habitantes), a área verde preservada aqui é enorme! Ipês, paineiras e outras espécies nativas do cerrado enfeitam ruas, parques e avenidas. Reservas florestais no perímetro urbano fazem a alegria dos que amam esse contato com a natureza. Espécies frutíferas são encontradas em muitas calçadas e quintais. E isso, é claro, atrai e mantém uma invejável fauna selvagem e contribui muito para uma excelente qualidade de vida de seus habitantes.

Um dos meus lugares favoritos para fotografar animais aqui na cidade é a reserva ecológica do Parque dos Poderes. Apesar de concentrar o centro político-administrativo do Estado (como governadoria e secretarias estaduais), tem uma grande área de mata preservada. E a biodiversidade do lugar é incrível! Fiz muitos registros bacanas nesse local, como uma família de jacupembas com filhotes, uma “gangue” de mutuns-de-penacho, bandos de quatis e vários outros. Esses animais permitem uma aproximação incrível, garantindo close-ups quase que cirúrgicos de tão perto que conseguimos chegar.
Aqui vale ressaltar o conceito etológico de fuga, que varia de espécie para espécie. Cada uma tem uma distância que permite nossa aproximação e JAMAIS podemos ultrapassar esse limite para não estressar o animal e causar um ataque ou fuga, por exemplo. A responsabilidade do fotógrafo nesses casos é conhecer com antecedência quais espécies ocorrem no local e estudar seu comportamento diante dessas situações para saber como agir. Mas como?
Estudando!
Existem guias de aves, por exemplo, que têm essas informações disponibilizadas. E quanto às outras espécies, grupos nas redes sociais e a internet são ferramentas importantes para essa pesquisa. Vou focar em algumas espécies de mamíferos, répteis, anfíbios e insetos que registrei no lugar, comentando um pouco sobre seu comportamento e como as fotos foram feitas (a famosa “receita de bolo”).
Para começar, neste artigo vou abordar os quatis. Esses narigudos (daí seu nome científico Nasua nasua, do latim nasus, nariz) são animais diurnos que vivem em grandes bandos mistos, num total de quatro a até mais de 20 indivíduos, que percorrem as matas em busca de comida. São onívoros, sua dieta consiste principalmente de frutas, mas também de pequenas aves, ovos, insetos, vermes, répteis e larvas presentes no solo e em troncos de árvores. Embora gregários, um macho com mais de dois anos de idade pode ter hábitos solitários e só se juntar ao grupo para o acasalamento. Comunicam-se produzindo sons suaves, que parecem lamúrias. Quando ameaçados, os sons são substituídos por cliques e rugidos. E é esse o sinal para que nos afastemos, pois ultrapassamos a “linha de segurança” que causa o comportamento de fuga e, em casos extremos, até um ataque.
E não queremos isso de forma alguma! O soar do alarme faz com que os quatis escalem rapidamente as árvores (o que fazem com facilidade graças às suas garras) e, em seguida, pulem para o chão e se dispersem. Por segurança, a espécie dorme no alto das árvores, para se proteger de seus predadores que incluem as raposas, onças, jaguarundis, cães domésticos e pessoas.

Nesta foto, o pequenino aí estava em uma árvore, só olhando o movimento dos mais velhos em solo na busca por alimento. Curioso como todo filhote, ficou me encarando e se deixando fotografar sem maiores problemas. Distância física aproximada de uns quatro metros e câmera configurada da seguinte maneira: abertura em f/6 (uso uma Sigma 150-500mm), exposição em 1/400s e ISO 100 (esses valores mudam conforme a luz ambiente, hein!). Distância focal travada em 300mm e registro feito! A luz ambiente favoreceu esses valores, tinha luminosidade suficiente para uma boa captura sem precisar extrapolar os limites de configuração e sem perder nitidez e detalhes na foto. Luz perfeita! Bora para próxima foto.

Na foto acima, meu “alvo” estava em uma faixa de transição de luz e sombra. Aí surge a dúvida: configurar equipamento para qual das condições de luz? Eu escolho sempre a luz nesses casos, ainda mais se quero dar destaque aos olhos do animal. Foi o que fiz, seguindo a receitinha a seguir: Nikon D90 com Sigma 150-500mm f/5-6.3 travada na distancia focal de 220mm, com abertura em f/6.3, exposição em 1/400s e ISO 100, distância fisica de pouco mais de dois metros e pronto! Foto feita e bicho em paz seguindo a vida. Vou fazer um review desse meu equipamento em um artigo próximo, comentando o porquê desse set ser a minha escolha.
E agora, a última foto.

Aqui as condições de luz eram as ideais, pois não existiam sombras indesejáveis para “atrapalhar” a captura. Visando desfocar o terceiro plano, utilizei as seguintes configurações: exposição em 1/1600s, abertura em f/6.3, ISO 400 e distância focal de 500mm, pois não estava muito perto naquele instante. O registro mostra dois indivíduos atravessando uma das avenidas do Parque dos Poderes, só para constatar a facilidade em encontrar essa espécie no local.
Vale frisar que em nenhum momento minha aproximação causou qualquer tipo de desconforto aos animais. Quatis são muito sociáveis e curiosos, chegando muito perto do ser humano para farejar algum tipo de alimento. E a vontade de tocá-los é muito grande, dando a falsa sensação de “mansidão” por parte dos animais. Não caia na “tentação”: lembre-se sempre que são animais selvagens e suas reações são inesperadas.
Demonstrei em três fotos com condições de luz diferentes a “receitinha” para realizar esses registros. Espero que tenham gostado e volto no mês que vem com mais dicas de fotografia para uma nova espécie. Qual será? Aguardem!
Até.
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