Fauna e estradas: implementar medidas de mitigação é suficiente?

Se você é um leitor frequente desta coluna, certamente já está familiarizado com os impactos que as estradas causam na fauna — como mortalidade e isolamento — e como a implantação de medidas físicas (cercas isoladoras, passagens de fauna, redutores de velocidade, etc.) ou de manejo territorial (como a preservação e ou restauração de corredores ecológicos) podem contribuir para mitigar esses efeitos. Se esse é o caso, você já sabe da importância de tomar decisões com base em informações que garantam que a mitigação seja ecologicamente eficaz, ou seja, que as medidas tenham a capacidade técnica de cumprir os objetivos propostos.

No entanto, um aspecto frequentemente negligenciado é o da efetividade da implementação da medida mitigadora (alguns empregam “resistência da implantação”, em referência à metodologia usada para estudos de conectividade). Indistintamente do termo empregado, o conceito que quero transmitir se refere à capacidade de uma medida, teoricamente eficaz, de realmente cumprir seus objetivos de mitigação em um contexto em que fatores não apenas ecológicos, mas também sociais, econômicos e institucionais, interferem. Assim, a “probabilidade de implementação” está diretamente ligada à dimensão social, que pode afetar a implantação, a permanência ou a funcionalidade das medidas, inclusive ao longo do tempo.

Imagine o seguinte cenário: estamos realizando um estudo em uma rede viária para instalar cercas isoladoras para reduzir a mortalidade de fauna por atropelamento. Como especialistas em meio ambiente, identificamos os locais onde essas medidas são necessárias. No entanto, como sabemos que existem limitações técnicas e econômicas para mitigar todos os trechos, priorizamos os locais com base em sua importância ecológica — considerando, por exemplo, a presença de espécies ameaçadas, a intensidade de atropelamentos, a proximidade de áreas de conservação ou a ocorrência de acidentes com perdas humanas ou econômicas.

Dessa forma, garantimos que os locais mais críticos sejam identificados, assegurando, em tese, maior afetividade nos objetivos de mitigação propostos (ou seja, que as medidas implantadas nos locais selecionados serão mais eficazes no contexto real de implementação). Porém, devido às limitações existentes, os locais priorizados podem ter medidas implementadas tardiamente — anos depois, quando as circunstâncias ecológicas já podem ter mudado — ou podem não receber manutenção adequada, especialmente se os trechos não forem concessionados.

Outro exemplo, acredito mais didático, pode ser a instalação de uma passagem de fauna para restaurar a conectividade de felinos. Se você fosse um proprietário de terras afetado por essa medida e dependesse economicamente da criação de animais, estaria confortável em saber que está “facilitando” a passagem desses predadores por suas terras? É possível que, mesmo com um receio infundado, o proprietário faça alterações para evitar o uso da passagem por esses animais?

Em ambos os casos, embora as medidas inicialmente planejadas sejam reconhecidamente eficazes, é provável que não consigam mitigar os impactos de forma tão efetiva nesses contextos quanto inicialmente esperado. Diante dessas possibilidades, uma opção e tentar solucionar esses problemas (assegurar recurso no caso das telas e sensibilizar aos proprietários no segundo caso). Porém, essa estratégia requer esforços complementares com suas próprias limitantes e incertezas. Assim, uma outra opção interessante e considerar a dimensão social na priorização das medidas de mitigação.

Dimensão social

Um exemplo dessa abordagem pode ser encontrado no artigo de Williamson et al. (2024), que prioriza corredores ecológicos para melhorar a conectividade de populações de lobos (Canis lupus) entre o Parque Nacional de Yellowstone e outras áreas selvagens nos EUA. O interessante desse trabalho é que ele incorpora e mede a influência, na efetividade da implementação dos corredores, diferentes elementos atrelados à dimensão social, sendo estes:

• a percepção social considerando a aceitação ou rejeição das pessoas da espécie-alvo e, portanto, dos corredores identificados;
• o fator econômico atrelado ao valor das terras alvo de mitigação e
• a capacidade técnica e legal das instituições ambientais presentes na área de estudo.

Ou seja, considera diferentes fatores que podem afetar a funcionalidade dos corredores, além dos estritamente técnicos/ecológicos.

Embora o artigo não foque diretamente na mitigação do isolamento causado por estradas, por meio de exercícios semelhantes, é possível identificar locais que, mesmo não sendo os mais eficazes do ponto de vista ecológico, apresentam maior probabilidade de sucesso devido ao contexto socioecológico. Inclusive, a mesma abordagem pode ser aplicada para priorizar diferentes estratégias de mitigação.

Portanto, retomando a pergunta inicial, agora fica evidente que nem sempre a implementação de uma medida de mitigação eficaz é suficiente para alcançar os objetivos de redução de impactos. É crucial identificar e considerar os elementos da dimensão social que afetam a efetividade de implementação. Mais do que isso, é fundamental desenvolver estratégias confiáveis que permitam medir a influência desses fatores nos objetivos de mitigação propostos, sendo esse o verdadeiro desafio.

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