Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da UFRGS
estradas@faunanews.com.br
Na semana passada, foi noticiada a morte de mais de 200 peixes na Lagoa da Pinguela, às margens da BR-101, no litoral norte do Rio Grande do Sul. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam, órgão licenciador do Estado) está investigando o caso, mas a principal suspeita é de que a alta mortandade de peixes tenha sido causada pela aplicação de um herbicida para capina química em parte da faixa de domínio da rodovia. A concessionária utilizou o herbicida Glifosato para manejo da vegetação das margens da estrada e afirmou que tem autorização do Ibama.
A manutenção da faixa de domínio é necessária para aumentar a visibilidade dos motoristas nas estradas e, portanto, dar maior segurança aos usuários das rodovias. No Rio Grande do Sul, a Resolução Consema nº 376/2018 define o manejo de vegetação nativa e exótica nas faixas de domínio como a “atividade de supressão, roçada ou poda de vegetação” e o decreto estadual que regulamenta os crimes ambientais proíbe a aplicação de herbicidas. Essa resolução, além de estabelecer que o manejo deverá estar contemplado na Licença de Operação da estrada, deixa claro que o uso de capina química será licenciado somente em casos excepcionais. Por isso, a empresa foi autuada pelo órgão estadual (Fepam).
Independentemente do que de fato aconteceu neste caso, eu gostaria de chamar a atenção para duas questões importantes.
Primeiro, qual a consequência de aplicar um produto tóxico para o manejo da faixa de domínio próximo a cursos d’água ou áreas ambientalmente sensíveis? Além de estradas transporem muitos cursos d’água, em geral, o sistema de drenagem das estradas direciona o escoamento para os cursos d’água do entorno, transportando os produtos tóxicos aplicados na margem da estrada (além dos poluentes originados do tráfego e do próprio pavimento). É preciso ter muita cautela e investir em soluções inovadoras para evitar que danos ambientais sejam causados aos ambientes do entorno da estrada.
Segundo, o licenciamento ambiental é o instrumento que permite que essas consequências das atividades humanas no ambiente sejam avaliadas e esse instrumento deve ser fortalecido. Embora existam tentativas de acabar com o licenciamento ambiental, é um licenciamento de qualidade que dá segurança jurídica ao empreendedor (evitando a judicialização dos empreendimentos por danos ambientais não avaliados previamente) e que dá segurança à sociedade de que as atividades humanas possam ser desenvolvidas causando menos impacto. É somente com órgãos ambientais fortalecidos, técnicos qualificados e um ambiente de trabalho adequado que podemos ter um licenciamento ambiental que cumpra a sua função social de minimização dos efeitos das atividades humanas. Nesse caso específico, ainda que o licenciamento da rodovia seja federal, a empresa deve atender às legislações estaduais, algo que aparentemente não aconteceu.
Definitivamente, o manejo da vegetação marginal das rodovias com capina química jamais deveria ser autorizado. Além da irresponsabilidade ambiental, essa prática pode ter consequências inesperadas e indesejáveis como a seleção de plantas invasoras resistentes aos herbicidas e colonização das lavouras vizinhas.
Uma boa roçada traz muito menos riscos.