Falsificações de fósseis e o papel das tecnologias na exposição da verdade

Abril é amplamente lembrado devido ao primeiro dia do mês ser o “dia da mentira”. Apesar de a maior parte das brincadeiras realizada serem “pegadinhas” inofensivas, infelizmente algumas vezes as mentiras vão longe demais. E até no meio científico existem muitas pesquisas que são frutos de mentiras.

Alguns fósseis fraudulentos passam completamente despercebidos pelos olhares dos especialistas em todo o mundo. Esse é um problema sério, já que esses espécimes falsificados podem levar os paleontólogos a elaborarem conclusões importantes, baseando-se em evidências falsas. Esse problema também leva a uma desqualificação dessa ciência para o público em geral, que passa a desacreditar mesmo em fósseis singulares.

Um recente estudo revelou uma verdade surpreendente sobre um fóssil celebrado por décadas como um dos mais bem preservados nos Alpes italianos. Trata-se do Tridentinosaurus antiquus, um pequeno réptil semelhante a um lagarto, descoberto em 1931 e descrito por Leonardi em 1959, que habitou os Alpes durante o período Permiano, entre 299 e 252 milhões de anos atrás. O fóssil ganhou reconhecimento devido aos vestígios de pele carbonizada, algo extremamente raro de se preservar e que estavam bastante visíveis na superfície da rocha. No espécime, considerado por décadas como uma descoberta excepcional, estavam ausentes apenas a ponta da cauda e a maior parte do crânio.

Porém, um estudo recente fez uma revelação chocante: parte dos tecidos moles preservados no Tridentinosaurus era, na verdade, uma falsificação habilmente esculpida e revestida com um tipo de pigmento bastante escuro, similar a uma tintura preta. Embora os ossos dos membros posteriores, especialmente os fêmures, pareçam genuínos, outras partes do fóssil foram adulteradas. Os resultados foram provenientes de diversas análises combinadas, que a princípio estavam investigando quais componentes poderiam ter ajudado a preservar os tecidos moles em questão – algo que é bastante comum de ser realizado com outros fósseis excepcionais.

A pesquisa para se descobrir a verdade

Os pesquisadores combinaram o uso de luz ultravioleta, modelagem de superfície 3D, microscopia eletrônica de varredura, microdifração de raios X, entre outras análises, para enfim descobrirem que a forma do corpo havia sido habilmente esculpida à mão, possivelmente em um esforço para revelar material esquelético adicional e que a coloração foi adicionada posteriormente.

Por exemplo, a luz ultravioleta revelou que o contorno do corpo apresentava fluorescência, algo que os materiais orgânicos fossilizados normalmente não fazem, mas revestimentos como colas, vernizes e alguns outros pigmentos artificiais, sim. O material orgânico associado aos tecidos moles fossilizados normalmente não apresenta fluorescência sob luz ultravioleta. Em vez disso, no Tridentinosaurus, a área ocupada pelos supostos tecidos moles é topograficamente variável e o material de cor escura fluoresce sob a luz ultravioleta.

A variação da topografia dentro do corpo fossilizado é explicada como resultado de extenso trabalho mecânico, possivelmente visando expor mais o esqueleto em si, embora sem muito sucesso. Não se sabe quando a falsificação foi feita ou quem estava envolvido, mas a descoberta de fósseis de plantas carbonizadas com contorno escuro semelhante, em outra localidade próxima, desempenhou um papel significativo em enganar os paleontólogos por décadas.

O estudo usando fotografia ultravioleta revelou que tanto o contorno do corpo escurecido quanto os ossos e escamas foram revestidos com uma tinta preta com uma base feita de ossos de animais, confirmando que a suposta pele preservada era completamente falsa.

Apesar do cenário desolador, alguns elementos do fóssil em questão são verdadeiros. É o caso de pequenas escamas romboidais foram interpretadas como supostos osteodermos que sofreram recristalização do mineral apatita, um processo comum na fossilização e que resultaram na perda da microestrutura óssea original.

Embora as circunstâncias dessa falsificação sejam desconhecidas, é sabido que a mesma tenha ocorrido antes de 1959, quando o fóssil foi oficialmente descrito. Essa descoberta destaca a importância de relatar tais espécimes e combater a falsificação de fósseis, prática que certamente não é uma novidade.

Exemplos históricos de falsificação

Exemplos históricos de falsificação coincidem com os primeiros relatos oficiais de fósseis, datando do final dos séculos 18 e 19. Isto foi impulsionado principalmente pelo lucrativo mercado de venda de espécimes fósseis a colecionadores privados e museus. Também é sabido que algumas pessoas também forjaram fósseis para reconhecimento científico e social.

Dentre os exemplos mais notáveis estão o Homem de Piltdown (1912) e o Archaeoraptor (1990), ambos os esquemas elaborados para enganar tanto pesquisadores quanto colecionadores particulares. Enquanto o Homem de Piltdown foi uma fraude elaborada, envolvendo a montagem de um hominídeo a partir de um amálgama de ossos humanos e de macaco, o Archaeoraptor, por sua vez, foi uma verdadeira quimera: tratava-se de um fóssil reconstruído com elementos provenientes de diferentes partes de esqueletos de dinossauros diferentes para formar um novo espécime.

A detecção de fósseis falsificados continua sendo um desafio, com diferentes tecnologias modernas e análises cada vez mais rebuscadas revelando fraudes em diferentes tipos de fósseis depositados em coleções de museus em todo o mundo.

O comércio de fósseis é uma questão global, mas especialmente em países com pouca regulamentação, o que leva muitas vezes a falsificações e adulterações para que os mesmos sejam mais “interessantes” para a comercialização. Esse mercado de fósseis (sejam eles reais, ou falsificados) representa um grande problema nos dias de hoje. Por exemplo, em países como o Marrocos, esse mercado movimenta anualmente US$ 40 milhões e distribui espécimes fossilizados (reais ou adulterados) por todo o mundo. Por outro lado, outros fatores, principalmente o colonialismo científico, impactaram negativamente a pesquisa paleontológica no Brasil.

Como resultado, muitos estudos sobre fósseis da região são baseados em espécimes transferidos ilegalmente para coleções em outros países, como Alemanha e Japão.

Assim, medidas rigorosas são indispensáveis não apenas para proteger o patrimônio paleontológico e geológico, mas também para que a Ciência avance de forma positiva e sem falsificações. Por fim, pesquisas aprofundadas e baseadas em diferentes tipos de análises, como a que desmascarou a falsificação do Tridentinosaurus, destacam a necessidade de práticas éticas na conservação de fósseis e na documentação detalhada de suas condições no momento da descoberta.

Conclusão da correção dos fósseis falsificados

Ao corrigir um equívoco histórico, a equipe de pesquisa não só reforçou a importância da integridade e do rigor na exploração científica, mas também destacou a necessidade de uma abordagem coletiva para enfrentar esse desafio. E, por fim, embora seja impossível erradicar completamente a produção de fósseis falsificados, tanto a comunidade científica quanto a não científica podem desempenhar um papel crucial para evitar que essa prática continue tão forte.

Comprometer-se em desmascarar práticas ilegais e conscientizar sobre o tráfico de fósseis e suas consequências prejudiciais, são fundamentais não apenas para preservar o patrimônio paleontológico quanto também salvaguardar a ciência.

Para ler mais

• Valentina Rossi, Massimo Bernardi, Mariagabriella Fornasiero, Fabrizio Nestola, Richard Unitt, Stefano Castelli & Evelyn Kustatscher. 2024. Forged soft tissues revealed in the oldest fossil reptile from the early Permian of the Alps Palaeontology 67(1): e12690.
• Marco Romano, Johannes Pignatti. 2021. The fossil merchant from Verona: the first written testimony of paleontological forgery in Italy. Rendiconti online della Società Geologica Italiana 55: 54-63.
• Reportagem “Resolvendo o crime do Homem de Piltdown: como descobrimos que havia apenas um falsificador” (em inglês)