Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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O que entendemos como “abordagens inclusivas” remete a uma compreensão da educação ambiental enquanto processo de gestação de uma nova ética, que leve a mudanças de comportamento, ou manutenção daqueles (comportamentos) que já priorizam a coletividade e a vida em geral. A importância desse pensar é que um dos maiores desafios da atualidade está no mudar comportamentos humanos, principalmente aqueles que agridem o meio ambiente e outros seres humanos.
O processo de mudança é, em geral, demorado porque exige mais que conhecimento. E um dos princípios propostos pela educação ambiental baseia-se em valores éticos, solidários e participativos. Na busca por participação, a educação ambiental difere da educação tradicional, que não foi concebida para que o aluno se expresse. Ao contrário, preza a passividade, a obediência e a submissão às regras.
Essa mudança de ótica talvez tenha sido uma das maiores inovações da educação ambiental, que ao ser formulada refletiu sobre o que levaria um indivíduo à participação cidadã que vise o bem planetário. Daí a inclusão de valores como aspecto indispensável. Não basta saber. É necessário transformar os princípios que orientam as decisões sobre prioridades locais, regionais, nacionais e globais. Para isso o indivíduo precisa ser tocado profundamente para que sua sensibilidade, criatividade e senso de coletividade sejam aflorados. A educação ambiental, assim, estimula o desenvolvimento de capacidades como engajamento e organização, diagnostico de problemas e dedicação a temas que levem a transformações de realidades indesejadas.
O senso de identidade de cada um é indispensável ao fortalecimento pessoal e precisa brotar de dentro para fora. O que vem de fora para dentro é normalmente interpretado como imposição ou doutrinação e combina mais com a educação tradicional, que aceita o professor como a fonte máxima ou única de conhecimentos e de iniciativas. O que emerge de dentro para fora, que resulta da experiência, é compreendido como expressão, pois acaba sendo uma capacidade pessoal, única e real. O verdadeiro educador é aquele que estimula a melhor expressão de cada um e a incentiva para que seja empregada para o bem comum.
De acordo com o pensamento de Martin Buber, o âmago do existir reside na relação, que considera ser a forma do indivíduo evoluir e se manifestar plenamente. A relação só se estabelece plenamente quando um ser está com outro integralmente, reconhecendo as diferenças, as respeitando e as contemplando como fortalezas e riquezas. Buber chama tal relação de ‘Eu-Tu’, possível quando ambos os seres interagem reciprocamente em total inteireza. É na alteridade que o ser humano encontra seu valor intrínseco, sua existência plena e sua potencialidade para aflorar o que de fato é. Na medida em que a relação com o outro é íntegra, é possível a pessoa se abrir para o mundo com iniciativas em que todos os entes da natureza passam a ser-com-outros, ampliando a percepção do todo e das inter-relações. Nesse sentido, um respeito intrínseco à vida é nutrido naturalmente e as atitudes frente ao mundo passam a ser de trocas genuínas.
Nessa concepção, o autor explica as crises entre indivíduos, nações e entre seres humanos e a natureza provocadas por relações que distanciam, que denomina de ‘Eu-Isso’. Nessas não há reciprocidade e nem o reconhecimento da integridade do outro, que muitas vezes é visto como um cumpridor de determinada função, quase um objeto.
A educação ambiental pode se apropriar do pensamento de Buber e incentivar a relação “Eu-Tu” com a natureza, com o outro, com a vida. O respeito passa a ser fundamental, principalmente quando se pensa na coletividade ou comunidade, que Buber entende como uma construção humana, cujo elemento de vínculo comum é a terra, o bem máximo e que, portanto, deve ser compartilhada por todos. Comunidade é a aproximação de seres humanos abertos a darem e receberem. Sendo assim, viver em comunidade é viver relação e diálogo.
Todavia, o senso de comunidade precisa ser nutrido e, por isso, é importante que as instituições estejam presentes, expressando opiniões e assumindo responsabilidades dentro de princípios em que o diálogo permita o crescimento de todos e a ousadia pelo novo. Os construtores de tais comunidades são pessoas que exercitam o diálogo com respeito como princípio de vida. Esse é um aspecto imprescindível que o educador precisa exercitar, pois assim cria redes de conversação que possibilitam expandir o senso de inclusão e de valorização da diversidade.
Por não ocorrer espontaneamente, o educador pode contribuir para a construção de comunidades nas quais predominam as relações ‘Eu-Tu’ que disseminem tais princípios. O individual passa a ser indissociável do coletivo, pois deve sempre estar relacionado ao seu meio de forma natural e participativa. Sendo assim, a educação depende, segundo Buber, não do ensino da ética, mas de sua prática.
Mais um aspecto do pensamento de Martin Buber que se assemelha aos propostos pela educação ambiental é a importância do experienciar no processo de aprendizagem. Muitos educadores ambientais consideram a experiência direta com a natureza, por exemplo, um meio de fomentar uma relação inclusiva com o mundo, podendo levar à responsabilidade e à criatividade na resolução de problemas ligados à conservação ou às questões que afetam a coletividade. A ideia é que o engajamento da pessoa com seu contexto pode levá-la a um maior senso de responsabilidade com o todo.
Outra linha de pensamento que converge para a compreensão inclusiva da educação ambiental é a Ecologia Profunda, proposta por Arne Naess. A ênfase está na preocupação com a vida no planeta e no que pode influenciar sobre como os elementos integram o todo. O autor considera aspectos que influenciam as inter-relações entre seres humanos e entre eles e a natureza, como a rejeição da visão do ambiente a partir do ponto de vista estritamente humano, em favor de uma concepção abrangente que inclua todos os seres vivos.
Naess também aponta para a importância da equidade de todos na biosfera sempre que possível, o que pressupõe respeito e atenção em proporcionar espaços suficientes para que cada ser tenha condições de viver dignamente. Valoriza a diversidade e a simbiose, enfatizando o desenvolvimento de potenciais e as chances de novas modalidades de vida evoluírem, não em decorrência da competição que pode ser compreendida como destrutiva, mas da habilidade de coexistirem e cooperarem formando relacionamentos simples ou complexos. Aponta que mesmo que existam diferenças entre seres humanos em decorrência de sua individualidade, situação também comum entre os demais seres encontrados na natureza, deve-se permitir a cada um a chance de coexistir em seu ambiente natural. A poluição e a degradação ambientais devem ser abolidas, o que exige uma consciência profunda dos efeitos de práticas destrutivas. Para Naess, a complexidade e não a complicação tem valor, uma vez que a natureza evolui em ambientes de alta complexidade e pouca complicação em seus sistemas organizacionais.
Finalmente, Naess aponta para a relevância da autonomia local e descentralização, que podem evitar impactos ecológicos com economia de recursos naturais, além de levar em conta o que de fato se precisa fazer, evitando que decisões sejam tomadas em regiões afastadas e por agentes que desconhecem os contextos em que as ações terão efeito. Todas essas questões se complementam, mas essencialmente a Ecologia Profunda se baseia na inclusão de todos os seres vivos, já que toda forma de vida é importante por seu valor intrínseco.. Em síntese, o ser humano é mais uma espécie dentro da teia da vida e não ‘a espécie’, como tem sido a tônica em grande parte do mundo nos últimos séculos ou até milênios.
Nessa mesma linha de pensamento, Thich Nhat Hanh menciona a importância do ser humano compreender sua ligação com o mundo não-humano. Todos os seres vivos são compostos por elementos não-vivos, chamados de inanimados, como o ar, a água e os minerais. O ser humano é composto e depende desses elementos inanimados e de elementos não-humanos, como florestas, rios e montanhas. Essa percepção permite uma quebra na separação entre o que possui vida e o que não é vivo e aguça a importância de se respeitar todos os elementos encontrados no planeta. Hanh denomina esse princípio de interdependência entre todos os seres e elementos da natureza como ‘interser’, pois existem elos entre tudo, mesmo que sejam sutis e não facilmente percebidos.
A visão holística tem sintonia com outros pensadores que já vinham preconizando a interação da vida, como Leonardo Boff, por exemplo, que enfatiza a importância do cuidar, do planeta, da natureza e da vida em geral.
Há ainda a Teoria de Gaia proposta por James Lovelock. Mesmo tendo sido criticado no mundo científico na época em que a concebeu, sua teoria foi um marco, pois compreende o planeta como um ser vivo onde seus elementos estão conectados e precisam estar sadios para que o todo funcione e se manifeste plenamente. Esta compreensão pode despertar um estímulo ao respeito e ao senso de reverência que despertem entusiasmo e empenho em se assumir novas responsabilidades. A educação ambiental torna-se chave nesse processo, ao chamar a atenção para a importância de cada um contribuir para um mundo mais ético e para sua responsabilidade de se engajar em processos que visam um bem maior, onde o respeito pela vida é a maior prioridade, como defende William Stapp.
Já Carlos Brandão, no livro Em Campo Aberto, poeticamente define a educação ambiental como:
“(…) um preparo profético de uma imensa abertura de nossas possibilidades de comunicação com a vida e os seres humanos. É um exercício antecipado de partilha, portanto, do desejo de ampliar até dimensões infinitas a vocação de convivência generosa, fraterna, entre os homens e entre os homens e todos os seres da vida.”
A inclusão das questões ambientais como fundamento de uma educação para a cidadania condiz com a noção de a educação ser abrangente o suficiente para dispensar o adjetivo ‘ambiental’. No entanto, a educação ambiental tem sido a área que vem incorporando sistemas de aprendizado que utilizam reflexões críticas e decisões participativas, de modo a dar às pessoas e aos grupos sociais maiores chances de escolherem seus destinos de uma maneira consciente. Nos processos de formulação e gestão de políticas públicas, a participação pode ser a chave para aumentar as chances de indivíduos exercerem seu papel de cidadãos.
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