Por Reginaldo Cruz
Graduado em Administração e em Ciências Biológicas, é associado da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) e sócio-administrador da Cruzeiro do Sul Consultoria Ambiental Ltda.
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É muito frequente, e de longa data, que se diagnostique o baixo crescimento econômico do Brasil pela falta de infraestrutura. Enquanto o país vai expandindo suas áreas de produção ou de extração de commodities, a demanda por infraestrutura de transportes vai aumentando significativamente.
As críticas à concentração do transporte de cargas via modal rodoviário, em contraponto à baixa exploração de nosso potencial hidroviário e ferroviário, são sempre bem fundamentadas.
As ferrovias são apontadas, não de hoje, juntamente com as hidrovias, como o modal capaz de otimizar os custos de logística do país, reduzir a dependência do transporte rodoviário, desafogar as estradas, melhorar a competitividade de nossas commodities, entre tantas outras virtudes.
Mas, apesar de ser uma tecnologia que evoluiu muito ao longo dos 200 anos, desde a implantação da primeira ferrovia do mundo, na Inglaterra, em 1825, temos imensos gargalos a superar no Brasil para que este modal prospere e realmente faça diferença.
A demora na construção e os altos custos envolvidos, permeados por escândalos de corrupção, são a parte visível do processo. Os estudos ambientais nas diferentes fases do licenciamento, hoje, pouco contribuem para a evolução dos processos e a melhoria na relação dos empreendimentos com a fauna afetada. E o conhecimento dos impactos das ferrovias sobre o meio ambiente é quase 100% dependente dos estudos solicitados em diferentes fases do licenciamento.
Nas rodovias, por interesse pessoal, acadêmico ou profissional, qualquer pessoa pode acessar e monitorar diferentes processos, tanto bióticos como abióticos, tais como a situação de taludes, a utilização do que há de mais moderno para passagem ou abrigo de fauna, os atropelamentos de fauna, assoreamento de corpos d’água e a disposição de lixo nas margens, entre tantos outros possíveis.
Já nas ferrovias, as limitações são gigantescas. Para identificar e monitorar trechos com atropelamentos de fauna silvestre, por exemplo, é necessário um veículo adaptado para transitar sobre os trilhos, autorização do CCO (Centro de Controle Operacional) para acesso, locomoção, retorno, saída e respeito a prioridades (que podem deixar você horas esperando para acessar ou horas parado em um pátio de manobras).
É, portanto, urgente, a melhoria nos protocolos de estudos ambientais em ferrovias (felizmente já há uma iniciativa em andamento, gerida pelo Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – NERF-UFRGS – e a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviário – ANTF) para otimização dos recursos investidos. As pesquisas realizadas em ferrovias já implantadas e em operação possuem grande potencial de geração de informações para orientar a implantação de novas ferrovias e novos trechos, mas para isso, os objetivos devem ser claros e os métodos e esforços orientados para o atendimento desses objetivos.
Basta de inventários e análises temporais de índices de riqueza, abundância, diversidade, considerando classes inteiras de vertebrados, que não trazem resposta alguma, desperdiçam recursos públicos e desmoralizam o licenciamento ambiental.
Ninguém vai ao médico para saber seu nome completo, data de nascimento, endereço, nome de seus pais… Vai para identificar suas fragilidades por meio de um diagnóstico e conhecer as ações para se fortalecer ou, ao menos, não piorar. Nossos diagnósticos informam, por exemplo, que há gambás, quero-queros, bem-te-vis e teiús nas áreas de estudo. Se alguma dessas espécies faz parte do grupo específico que será impactado negativamente pela ferrovia, faz sentido, se não, é um trabalho inócuo que serve apenas para dar volume ao relatório. Já os monitoramentos, quando indicam a ocorrência de impacto, englobam uma classe inteira de vertebrados na afirmação, impossibilitando a proposição de medidas de mitigação.
Os estudos devem apontar as fragilidades do ambiente e de grupos específicos, integrar os grupos de fauna e estes com a flora, além de identificar, por meio da análise da paisagem, as áreas críticas, sensíveis e suscetíveis, para que tenhamos condições de propor medidas de mitigação de impacto e, sobretudo, geremos informação que subsidiem a implantação de projetos futuros.
Como se faz? Há uma boa base de conhecimento sobre os impactos prováveis de uma ferrovia sobre a fauna e, especificamente, sobre qual espécie ou grupo de espécies se dará cada impacto. Partindo da análise dos impactos possíveis, deve-se discutir com os especialistas de cada grupo o melhor desenho possível, visando a obtenção de dados que possibilitem uma análise do todo, que permitam a identificação dos “órgãos” frágeis do “paciente” e potencializem a proposição de um tratamento que minimize os riscos de piora no quadro. O recente artigo da Fernanda Zimmermann Teixeira para o Fauna News, “Sabemos qual impacto sobre a fauna mitigar?”, é um bom ponto de partida para essa discussão.
Parece mais fácil seguirmos produzindo listas de espécies, pois isso pode ser bom para os negócios, mas mudar o status do licenciamento exige que, realmente, coloquemos nossa ética profissional acima da necessidade de faturamento ou, logo, não haverá mais faturamento.
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