Colisões com fauna são um grande risco para a aviação, resultando em mais de 230 mortes humanas e gerando prejuízos econômicos superiores a US$ 1 bilhão de dólares por ano em todo mundo devido a atrasos e cancelamentos. Com o objetivo de auxiliar na redução desse risco, um recente estudo utilizou uma base de dados (Sistema de Gerenciamento de Risco de Fauna do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos da Força Aérea Brasileira – Sigra-Cenipa), coletados entre 2011 e 2022 contendo 80.262 relatos, que incluem mais 25.447 colisões de aeronaves com animais, para gerar um ranking atualizado de risco relativo da fauna para a aviação no Brasil.
O estudo foi publicado na revista Ornithology Research, em colaboração de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) do ICMBio, da empresa ViaFauna Estudos Ambientais, do Smithsonian Conservation Biology Institute, da Academia da Força Aérea Brasileira e do EcoHealth Alliance.
O ranking está baseado na porcentagem de colisões com danos para a aeronave e no efeito para o voo ocasionado por cada espécie de animal envolvido. Ele apontou o urubu-preto (Coragyps atratus), os cães (domésticos ou silvestres), a fragata (Fregata magnifiscens) e a seriema (Cariama cristata) como as espécies com maior risco para a aviação. Curiosamente, as espécies de aves com mais colisões, o quero-quero (Vanellus chilensis), com 4.156 colisões, e o carcará (Caracara plancus), com 1.550 colisões, foram apenas a 19ª e 6ª espécies, respectivamente, com maior pontuação de risco relativo.
A partir do ranqueamento das espécies e da identificação de quais são os fatores responsáveis pela atração dos indivíduos, é possível pensar medidas para reduzir o risco de colisões com fauna. Urubus e carcarás, por exemplo, podem ser atraídos por aterros sanitários e descarte irregular de lixo, por exemplo, e o manejo dessas fontes de atração podem resultar em uma aviação mais segura.
O estudo também apresenta um ranking por bioma e um para aeródromos localizados a menos de 10 quilômetros da costa, visto que há uma grande variação na distribuição das espécies pelo país. Embora todos tenham sido liderados pela família Cathartidae, a família dos urubus, foi possível identificar algumas famílias que podem ser mais perigosas em certas regiões, como Fregatidae (fragatas), Laridae (gaivotas) e Ardeidae (garça) próximas à costa e Strigidae (corujas) e Anatidae (patos) no Pampa.
Por fim, investigando as características das espécies que podem contribuir para um maior risco, foi confirmado que massa corporal e tamanho de grupo são fatores que estão positivamente relacionados à pontuação de risco relativo.
Esse estudo é um primeiro passo para apontar as espécies com maior risco relativo para a aviação em nível nacional e regional. Informações locais mais detalhadas devem ser sempre utilizadas para indicar quais as melhores medidas a serem tomadas.
O tenente Cesar Medolago, biólogo da Academia da Força Aérea, reforça neste estudo a importância de um banco de dados de reportes nacional robusto. “Dados de colisões e severidade relativa dos táxons são um dos principais componentes no processo de classificação das espécies-problema de um aeródromo. O Brasil, por sua diversidade de biomas, apresenta variada distribuição das espécies e seus indivíduos pelo território nacional. Estudos científicos como este nos permitem ter um melhor embasamento na confecção de uma matriz de risco e, consequentemente, um melhor entendimento das espécies que devem ser alvo de medidas de manejo.”
Segundo o major-aviador Fernando Lopes da Silva, “o ranking auxilia no planejamento e tomada de decisão por parte dos operadores por já terem uma previsão das possibilidades de conflitos nos aeródromos que forem operar. Os pilotos, particularmente, poderão estabelecer procedimentos específicos para seus voos tendo em vista o comportamento de determinadas espécies presentes no artigo.”
As informações geradas pelo estudo serão amplamente utilizadas por órgãos do governo, gestores de aeródromos, profissionais da aviação e empresas de consultoria. As profissionais da empresa de consultoria ambiental ViaFauna, que atua em aeródromos da Amazônia e Mata Atlântica, Fernanda Abra, Letícia Prado Munhoes e Paula Prist, destacam que “esta lista será amplamento utilizada a partir da data de sua publicação. É um documento base importante para avançarmos com diagnósticos de risco aeroviário, planejamento e mitigação de impactos”.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).
Biólogo, mestre e doutor em Recursos Florestais. Atua no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) do ICMBio e no Laboratório de Ecologia, Manejo e Conservação de Fauna Silvestre do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP),
