
Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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A maioria das pessoas acredita que a construção de novas rodovias aumenta o desenvolvimento econômico de uma região. Contudo, a viabilização desses empreendimentos exige planejamento, avaliação das questões ambientais e demais logísticas. Recentemente, alguns projetos de construção de novas estradas aparentam ser mais interesse político do que desenvolvimento econômico para região. Casos assim têm sido discutidos no Parque Nacional do Iguaçu (PR), com construção da antiga estrada do Colono, e o no Parque Nacional da Serra do Divisor (AC), com o novo projeto de rodovia na Amazônia conectando o município de Cruzeiro do Sul no Acre até a fronteira com o Peru.
Ambos os projetos visam cortar unidades de conservação de proteção integral. Porém, como a classificação dessas unidades não permite este tipo de empreendimento, pois tem como objetivo preservar a natureza de interferências humanas, pessoas interessadas nessas obras querem classificar essas rodovias como “estradas-parque”. O conceito estrada-parque foi criado nos Estados Unidos para rodovias que dão acesso a locais de contemplação da natureza no entorno de parques nacionais e não apresentam foco econômico para região, como é o caso da Blue Ridge Parkway. No Brasil, esse conceito não tem definição padronizada, podendo apresentar variações desde estradas de terra rurais até rodovias pavimentadas, mas o termo é utilizado principalmente de forma estratégica para desviar a resistência no licenciamento ambiental.
Por exemplo, a construção da nova estrada do Colono no Parque Nacional do Iguaçu já vem sendo debatida ao longo dos últimos anos, mas recentemente foram criados projetos de leis (PL 7.123/2010 e PL 984/2019) tentando qualificar a estrada como estrada-parque para facilitar o empreendimento. Diversos impactos ambientais associados a esse empreendimento já foram apontados pela Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transporte (REET Brasil) e o Ministério Público Federal já se posicionou contra a sua reabertura. Além disso, também já foi constatado forte interesse político nessa obra, o que demonstra que a estrada visa o interesse específico de uma parcela na região.
Parece que a estratégia adotada no caso da estrada do Colono pode se repetir na nova proposta de rodovia na Amazônia, a qual pretende dar continuidade a BR-394, cortando o Parque Nacional da Serra do Divisor até a fronteira com o Peru. No momento há um projeto de lei (PL 6.024/2019) tentando mudar a classificação da unidade de conservação de proteção integral para área de proteção ambiental, o que poderia viabilizar a obra. Além disso, sabemos que o desmatamento na Amazônia está fortemente associado às rodovias asfaltadas, pois elas facilitam a criação de estradas ilegais (fenômeno conhecido como “espinha de peixe”) e possibilitam atividade ilegais e irregulares que ameaçam as populações humanas locais e o meio ambiente.
A construção dessas rodovias cortando as unidades de conservação são uma enorme ameaça à fauna, não apenas pelo o risco dos atropelamentos, mas também por facilitar acesso de caçadores na região, pela poluição, pelo desmatamento, entre outros impactos. O Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, abriga espécies ameaçadas de extinção como a onça-pintada, o papagaio-de-peito-roxo e o jacaré-de-papo-amarelo. Enquanto no Parque Nacional da Serra do Divisor recentemente foi avistado uma espécie rara de ave, a choca-do-acre.
Não há desenvolvimento econômico que compense o prejuízo ambiental sob a fauna com a construção dessas estradas. Ainda que houvesse planejamento e elaboração de medidas mitigadoras, o impacto nessas áreas tão bem preservadas seria imensurável. É evidente que temos muito mais a perder do que a ganhar.
Enfim, abordei dois casos específicos recentes sobre a tentativa de facilitar a construção de novos empreendimentos viários em áreas protegidas. Contudo, sabemos que existe outros projetos de expansão da rede viária, principalmente na Amazônia, como a pavimentação da BR-319, que também está próxima ou dentro de unidades de conservação. Essas estratégias enfraquecem as leis ambientais e são uma grande ameaça a biodiversidade, principalmente tratando-se de estradas, que têm impacto direto na mortalidade da fauna.
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