Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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No mês passado, o último filme da franquia Jurassic World estreou nos cinemas, dando continuidade ao dramático cenário do filme anterior, em que houve a libertação dos dinossauros de sua ilha cativeiro. Em Jurassic World: Domínio, os humanos lutam para compartilhar o planeta com seus governantes predecessores e uma série de novos dinossauros foram introduzidos. Porém, nenhum é mais estranho e chamativo do que o animal com longas e atrozes garras que persegue Claire em determinada cena do filme: o Therizinosaurus cheloniformis, ou terizinossauro, em sua forma aportuguesada.
Apesar de sua aparência estranha – que parece ter saído de um pesadelo de um roteirista, tal qual os dinossauros mutantes dos filmes anteriores – o terizinossauro é de fato um dinossauro real que viveu no período Cretáceo Superior e não algo produzido para intimidar o público que assistisse Jurassic World: Domínio. Entretanto, como um bom blockbuster, o filme continua entregando uma série de erros na anatomia e um comportamento não muito condizente desse dinossauro tão peculiar.
Os primeiros fósseis do terizinossauro foram descobertos no deserto de Gobi, localizado na Mongólia, no final da década de 1940. Uma das características mais marcantes foram suas distintivas e extralongas garras, que levaram os paleontólogos a pensar que esses elementos pertenciam a um grande réptil semelhante a uma tartaruga (por isso o nome cheloniformis).
Ao longo das décadas, outros fósseis foram encontrados e, nos anos 70, o paleontólogo russo Anatoly K. Rozhdestvensky foi o primeiro a identificar o terizinossauro como um dinossauro terópode – assim, foi incorretamente teorizado como um animal muito maior do que as estimativas atuais, além de apresentar um plano corporal radicalmente diferente, com pescoço curto e cabeça proporcionalmente maior, como os demais terópodes. Somando-se as longas garras, o terizinossauro caiu no gosto popular como um predador ameaçador…
Porém, o próprio Rozhdestvensky sugeriu que as grandes garras poderiam auxiliar na abertura de cupinzeiros ou conferir uma dieta onívora do terizinossauro, mas isso aparentemente foi ignorado. Somente em 1976 que o debate sobre a capacidade de predação do terizinossauro foi questionada, pois o paleontólogo Richen Barsbold notou a fragilidade das garras. Pelo fato de serem longas demais, pouco curvas e finas, o pesquisador sugeriu que as garras incomuns sofreriam graves danos ao se impactar contra alvos móveis (ou seja, as presas) durante as tentativas de predação. O debate então permaneceu acirrado na comunidade científica e, somente após a descoberta de espécies relacionadas e mais completas, como o Nothronychus, é que o debate sobre sua aparência e dieta terminaram: o terizinossauro tinha uma pequena cabeça com um bico na ponta e um longo pescoço, ao invés do pescoço curto e crânio largo como a maioria dos demais terópodes.
Apesar de seu tamanho e aparência temível, no entanto, o terizinossauro se revelou um herbívoro que buscava por folhagem fresca em árvores e arbustos. O uso mais provável de suas garras alongadas seria para varrer a folhagem e assim realizar o desbaste de pequenos galhos, de forma similar às foices que nós usamos na agricultura. Com seu pescoço longo e garras especializadas, esse dinossauro podia ficar horas em pé enquanto se alimentava, pois podia alcançar árvores e grandes arbustos que outros herbívoros não alcançariam. As garras longas também poderiam ter alguma capacidade preênsil, ajudando o animal a agarrar grandes galhos ou árvores mais baixas e aproximá-los de sua boca. Preguiças modernas possuem a mesma morfologia das garras de um terizinossauro, usando suas garras alongadas para se agarrar às árvores e para trazer para perto de si galhos e folhas longas enquanto se alimentam.
Em 2014, o paleontólogo Stephan Lautenschlager testou a função de várias garras manuais do terizinossauro e de outras espécies próximas por meio de simulações digitais, em três diferentes cenários simulados: 1) testando a capacidade de arranhar/rasgar; 2) capacidade de agarrar e 3) capacidade de perfuração. Como resultados, uma das maiores magnitudes de tensões foi justamente com o terizinossauro no cenário de arranhões, gerando um estresse geral pronunciado nas garras. No mesmo estudo, a capacidade de agarrar apresentou uma baixa magnitude de tensão e pouco estresse, compatível com o tipo de movimento para puxar ou agarrar a vegetação ao seu alcance.
Voltando ao filme, apesar das suas garras parecerem uma grande vantagem assustadora sobre o T-Rex, porém, por mais mortais que pareçam, ainda é improvável que o terizinossauro fosse capaz de proferir algum tipo de ataque ofensivo contra um predador de grande porte. Se as garras do terizinossauro fossem usadas para defesa, certamente seriam algo muito mais para intimidação do que um ataque propriamente dito – similar aos que tamanduás modernos fazem hoje em dia. Assim, por mais interessante que seja o visual e o comportamento do terizinossauro em Jurassic World: Domínio, ele está bastante longe de ser cientificamente acurado. Apesar de menos temível, não há como negar que o Terizinossauro continua sendo uma espécie bastante peculiar e interessante o suficiente para continuar aparecendo em outras obras cinematográficas.
Para saber mais
– Barsbold, R. 1976. New data on Therizinosaurus (Therizinosauridae, Theropoda)]. In Kramarenko, N. N.; Luvsandansan, B.; Voronin, Y. I.; Barsbold, R.; Rozhdestvensky, A. K.; Trofimov, B. A.; Reshetov, V. Y. (eds.). Paleontology and Biostratigraphy of Mongolia. The Joint Soviet-Mongolian Paleontological Expedition, Transactions (in Russian). Moscow: Nauka Press. pp. 76–92.
– Lautenschlager, S. 2014.Morphological and functional diversity in therizinosaur claws and the implications for theropod claw evolution. Proceedings of the Royal Society B. 28 (1785): 20140497.
– Rozhdestvensky, A. K. 1970. On the giant claws of enigmatic Mesozoic reptiles. Paleontological Journal (in Russian), (1): 131–141.
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