Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Guia de turismo de natureza, o biólogo Jefferson Bob recebe grupos de estudantes da região no sítio da família, em Potengi, no Ceará, onde a área reflorestada e não ocupada por atividades agropecuárias virou um refúgio para animais silvestres e paraíso para observadores de aves.
A Chapada do Araripe, no sul do Ceará, é um lugar especial. Além de uma natureza única, típica do sertão do Cariri, abriga em uma espécie de oásis no meio da caatinga uma espécie ameaçada de ave, o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokwermanni), e é muito rica em cultura.
A região me encantou tanto, que lá estive quatro vezes. São vários os destaques do lugar: suas manifestações culturais e religiosas, como a Festa do Reisado de Caretas, a casa de cultura de Nova Olinda, administrada por crianças e jovens, o museu do Padre Cícero, a arte em couro de Espedito Seleiro, os museus com os fósseis, entre outras; e sua natureza particular, que seca em boa parte do ano e, como se por milagre, esverdeia quando vêm as chuvas. Sem falar na preciosidade que é o soldadinho, que elegi como herói do meu segundo livro infantil, O Soldadinho da Caatinga.
Nesse cenário, no município de Potengi, a 94 quilômetros da capital regional, Juazeiro do Norte, fica o Sítio do Pau Preto, administrado por Jefferson Bob, que, depois de alguns anos trabalhando no setor cultural, hoje atua como guia de observação de aves e de turismo de natureza. Membro de uma família tradicional do lugar, tanto ele como sua mãe, Ivete Guedes, são pessoas influentes na comunidade, já tendo exercido cargos públicos. Hoje, no sítio, fazem um bonito trabalho de educação ambiental, para que a sementinha da conservação da natureza se perpetue.
Bob, como é conhecido, já costumava lidar com crianças quando atuava no setor cultural e organizava oficinas de teatro, música e arte circense para esse público. Além disso, comandava tours pela região, guiando turistas para conhecê-la.
Em 2015, já aliando a natureza e a observação de aves aos seus programas de turismo, começou a receber as primeiras turmas de escolas locais no sítio, para conversar sobre questões ambientais e “sobre o jeito de cuidar de uma propriedade rural de uma forma atenta à natureza”, em suas palavras. “Ao invés de fazer queimada para preparar a roça, cultivamos a terra de outra forma, reflorestando, nos preocupando com a água, com os animais…”, explica o guia.
Dois anos mais tarde, em 2017, ele e Ivete decidiram que passariam a desenvolver no sítio um trabalho voltado às escolas, com oficinas apresentando o turismo de observação de aves como alternativa de atividade.
Essas oficinas incluíam tanto uma explanação teórica e conversas como uma caminhada, para mostrar aos estudantes as espécies de aves do local e assim reforçar as mensagens passadas. Muitas delas ainda ganharam alguns recursos da cultura, como artes circenses, teatro e música. “A cultura é mobilizadora de crianças e adolescentes”, explica Bob.
Contrapartida
“Encaramos esse trabalho como uma contrapartida social, para devolver à comunidade parte do que o lugar nos propiciou”, diz Bob. “Nosso objetivo é que alguma mensagem passada, alguma experiência vivida fique com essas crianças”, diz ele, explicando que muitos dos participantes desses programas são filhos de pequenos proprietários rurais da região, que sempre foi muito castigada pela seca, agravada pelo desmatamento.
“Meu desejo é que eles se preocupem em cuidar da propriedade da família. Como eu que, quando adolescente, pedia a meu pai para deixar uma área do sítio sem cultivar, como um refúgio para os animais”, completa.
Segundo Bob, o que ele faz é um trabalho de conscientização, para atentar para a importância de se cuidar da natureza, devolvendo à sociedade parte do que a atividade lhes proporciona. “Apesar de ser um negócio, pois trabalhamos profissionalmente com turismo, temos como grande objetivo preservar a natureza”, afirma.
A educação ambiental de jovens e crianças é uma forma de garantir que esse cuidado com a natureza continue na geração seguinte e assim por diante. “As crianças têm esse poder de enxergar, de se sensibilizar e sensibilizar seus familiares, agindo como multiplicadores”, acredita o guia.
Sem um programa formalmente estruturado, Bob e Ivete tanto atendem escolas que os procuram como fazem – o que é mais frequente – o caminho inverso. “Vamos nas escolas e conversamos com a secretaria e os diretores, avisamos que estamos disponíveis para receber os estudantes. Muitas vezes vem uma classe inteira, mas gostamos de trabalhar com grupos menores de 10 até 15 alunos, que achamos que rende melhor, pois permite que consigamos dar mais atenção a todos”, conta.
O Sítio do Pau Preto costuma receber mais alunos de escolas de Potengi, município onde está localizado, mas já recebeu estudantes de outras cidades, como, recentemente, agora que as escolas estão tentando voltar à normalidade depois do período mais crítico da pandemia da Covid-19, a Escolinha do Serviço Social do Comércio (Sesc) de Crato.
Essa cidade, vizinha a Juazeiro do Norte, caracteriza-se por ostentar a imagem do soldadinho-do-araripe em diversas sinalizações públicas, além das laterais dos táxis. A ave, muito ameaçada por ser bastante exigente em fontes de água limpas, cada vez mais escassas, precisa muito que a semente de projetos com o de Bob e Ivete vingue e conserve a Chapada do Araripe.
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