Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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O envolvimento dos diversos segmentos sociais num planejamento regional é de fundamental importância para que as pessoas se sintam coautoras das decisões que são tomadas e, assim, levem adiante o que acharem que merece atenção, sentindo-se capazes de transformar realidades indesejadas. Infelizmente, a inércia ou a transferência de responsabilidade das soluções para os problemas vigentes têm sido comum, especialmente quando se delegada o poder a autoridades que pouco fazem, até porque muitas das questões regionais não os afetam.
O processo de empoderamento precisa levar em conta o ser humano integral, com seu lado racional e objetivo, juntamente com seus valores e sensibilidade. Essa é a base da educação ambiental e o que a diferencia da educação tradicional, quando introduz valores e participação das pessoas em resolução de problemas no processo de formação de cidadãos engajados, para que se sintam capazes de refletir, buscar conhecimentos e parcerias em suas escolhas, de forma que afetem a coletividade de maneira socialmente justa e ambientalmente sustentável.
Nesse processo, o líder ou educador ambiental deverá estar pronto para ceder seu poder. Por quê? Ora, quando se empodera outros e se incentiva que as decisões sejam coletivas, as escolhas podem ser bem diferentes daquelas elencadas por quem propôs um projeto, um programa ou até um fórum temático. Tudo passa a ser participativo de verdade. E, como cada participante traz suas expectativas e anseios, as ideias do animador inicial podem ser descartadas ou por vezes entrarem “por uma porta lateral”, deixando de ser “a” prioridade. O líder passa a ser “um” representante de ideias em meio a muitas e não “o” protagonista a decidir, como em geral ocorre com um gerenciador de qualquer iniciativa.
Papel do Educador como facilitador ou como líder
Há vantagens e desvantagens em ambas as posições que o educador/gestor assuma. É uma questão de escolha e eu diria de maturidade. Abrir mão do controle nem sempre é fácil, mas é muitas vezes fundamental para continuidade e fortalecimento dos atores que descobrem seus talentos quando incentivados por processos participativos. Quando um indivíduo coloca em prática aquilo que identificou como importante e vislumbra formas de resolver questões que considera relevantes levando em conta realidades regionais, acaba muitas vezes descobrindo seu potencial de transformação, talentos que muitas vezes estavam ocultos. Quando isso ocorre, a meu ver, o verdadeiro papel do educador é cumprido de forma magistral – dar a outros a chance de aflorarem sua criatividade e de se engajarem em questões que mudam e influenciam o rumo de uma região com ações individuais ou integradas, mas que visem um bem coletivo.
Esse processo foi desenvolvido primeiramente quando morei em uma região complexa como o Pontal do Paranapanema (SP), mas já o aplicamos em diversos contextos com êxito. No IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, instituição da qual faço parte, chamamos esses fóruns de Eco-Negociação.
Os resultados têm sido surpreendentes e decorrem de um processo que promove a escuta de ideias, a troca de impressões e experiências, o exercício de sonhar conjuntamente, o estabelecimento de parcerias e a avaliação do que progrediu e o que precisa de ajustes. É assim, coletivamente, que se decide o que pode ser feito, uma vez que se elenca quais as questões prioritárias a serem trabalhadas para melhorar a região onde se vive. Os fóruns agregam representantes dos diferentes segmentos da sociedade local, desde prefeito ou seus assessores, comerciantes, bancários, advogados, professores, líderes de movimentos como assentamentos rurais e cidadãos interessados em melhorar sua região.
Essas reuniões compreendem os passos descritos no artigo anterior que escrevi para esta coluna (“Base conceitual para uma “eco-negociação”, um fórum participativo de planejamento regional”), que incluem etapas estruturadas do processo e seus valores correspondentes. Seu funcionamento ocorre da seguinte maneira: primeiramente, são conduzidas plenárias com informações compartilhadas para o alinhamento de todos nos assuntos que o próprio público e os pesquisadores presentes consideram pertinentes. Depois, formam-se grupos de trabalho com os temas elencados como prioritários. No caso do Pontal, esses grupos incluíram proteção e fiscalização do Parque Estadual Morro do Diabo (hoje administrado pela Fundação Florestal de São Paulo) e sua biodiversidade, pesquisa, educação ambiental, atividades econômicas sustentáveis, entre outros. Cada participante, então, escolhe o grupo que quer participar de acordo com seus interesses pessoais ou profissionais. Algumas perguntas elencadas na plenária são respondidas nos grupos e depois compartilhadas novamente em outra plenária para que todos se inteirem do que foi priorizado.
No Pontal, essa metodologia tem sido aplicada a cada dois ou três anos e se mostrado de grande eficácia na promoção de novas iniciativas que emergem pelo empoderamento dos participantes. Descobrimos o valor e o potencial desses encontros, pois trata-se de um processo que precisa ser alimentado e revisitado para se ter ideia do que avançou e o que estagnou.
Analisei a primeira Eco-Negociação, realizada em 2001, como parte de meu doutorado. Mais de 20 projetos foram desenvolvidos após esse encontro e muitos existem até os dias de hoje. Exemplos incluem “Guarda Mirim Ambiental”, desenvolvida por um senhor aposentado, que infelizmente morreu há alguns anos, mas que passou a ser levado adiante pela prefeitura de Teodoro Sampaio. Outro exemplo é “O Ancião Feliz”, criado por uma professora preocupada com a situação de abandono dos velhos. A partir daí passou a engajar alunos de segundo grau a se mobilizarem para visitas estruturadas com jogos, música e alimentos especiais feitos pela comunidade. Exemplos mais específicos na área ambiental incluem plantio de árvores na cidade e em reflorestamentos, o desenvolvimento de projetos continuados em escolas locais e o intercâmbio entre alunos da área urbana e da zona rural no desenvolvimento de projetos específicos.
A riqueza desse processo parte de princípios simples, mas mexe com o âmago da natureza humana, que diz respeito ao seu autodescobrimento de potenciais de transformação. Infelizmente, a educação tradicional nem sempre incentiva o protagonismo ou mesmo escolhas decorrentes de reflexões mais aprofundadas. A educação ambiental se baseia nessas premissas e se coloca a prova quando estimula o afloramento de talentos individuais que podem ser direcionados a bens coletivos. Esse parece ser o retrato falado de uma Eco-Negociação.
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