Por Vitor Calandrini
Capitão da Polícia Militar Ambiental do estado de São Paulo. É comandante da 2° Companhia do 1° Batalhão da PM Ambiental, professor de Direito Ambiental na Academia de Polícia Militar do Barro Branco e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Embora pareça uma novidade para alguns, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais é quase uma cinquentona. Isso mesmo: o documento foi lido na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1978, na França. Embora seja uma referência mundial quando o assunto é proteger animais, o que de fato estamos fazendo com ela?
Neste início de ano, em meu primeiro texto, quero trazer a dificuldade de colocarmos em prática normas que seriam a solução para muitos problemas que enfrentamos com nossa fauna. E olha que nem vou entrar no mérito dos animais domésticos, que já são favorecidos com um grau de proteção maior, tanto pela legislação como por políticas públicas. Vamos nos ater apenas aos silvestres, sobre o que a Declaração aborda em relação a eles:
Artigo 4º:
1 – Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.
2 – Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.
E como podemos dar aplicabilidade e esse direito tão importante se ainda discutimos o incentivo à criadores legalizados de silvestres como uma forma de coibir o tráfico? Na verdade, deveríamos estar indo na direção contrária, desincentivando a criação de silvestres como se animais de estimação fossem para deixarmos a visão antropocêntrica de conservação do direito dos homens em criar um animal silvestre. Deveríamos começar a reforçar a visão biocêntrica do direito do animal em não ser encarcerado e não ter sua reprodução, liberdade e vida sendo ditadas pelo ser humano.
Cinco liberdades dos animais
Outro contrassenso que trago para abrir o ano, que reforça a aplicabilidade dos direitos dos animais, é sobre as ações de bem-estar. Elas também não têm nada de novo, sendo cunhadas em 1965, ou seja, há quase 70 anos, pelo comitê Brambell, criado pelo Ministério da Agricultura da Inglaterra. As bases enunciadas também não estão associadas à manutenção de animais silvestres em cativeiro. As cinco liberdades que todos os animais deveriam ter garantido são:
1 – Livre de fome e sede.
2 – Livre de desconforto.
3 – Livre de dor, ferimentos e doenças.
4 – Liberdade para expressar comportamento normal.
5 – Livre de medo e angústia
Até entendo que o mais zeloso do criador pode suprir os itens 1, 2, 3 e o 5, pois são questões físicas que, muitas das vezes, podem ser supridas com algum investimento financeiro. Mas e o item 4? E a possibilidade de o animal expressar seu comportamento normal?
Isso não engloba somente a reprodução que o próprio cativeiro impede, mas também o voo das aves, suas migrações, a possibilidade dos répteis decidirem a hora de ir ao sol e para a água, e interação ecológica com outras espécies, dentre tantos outros comportamentos que são claramente impedidos pelo simples fato da vida em cativeiro.
Temos que começar a entender e reavaliar se nosso atual problema com tráfico de animais e caça é mesmo a legislação branda ou se nossa sociedade verdadeiramente ainda não quer cortar o mal pela raiz. Parece que queremos continuar nos enganando sobre os reais problemas ambientais relacionados à fauna silvestre, que pode ser mesmo a vontade humana em manter nossos silvestres sob o domínio humano como pet, mesmo tendo parâmetros que já declaram ser incompatível guarda doméstica de animais silvestres e bem-estar animal.
Neste início de ano, vamos repensar nossa forma de olhar para os silvestres e esperar um 2023 em que possamos proteger aqueles que não tem voto nem voz.
– Leia outros artigos da coluna NA LINHA DE FRENTE
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).