Doce e nobre desafio: você observa aves limícolas?

Aves limícolas são espécies que se alimentam de pequenos invertebrados no lodo, também conhecido como limo, principalmente em áreas úmidas. Sendo assim, podem ser avistadas em praias, rios, manguezais, margens de lagos, lagoas e áreas de encontro entre o rio e o mar. Nesse grupo incluem-se batuíras, maçaricos, narcejas, pernilongos e vira-pedras, que talvez você não conheça bem, principalmente se mora longe do litoral.

Neste artigo, eu vou apresentar o grupo e explicar por que a observação dessas aves é mais difícil e ao mesmo tempo muito importante. Meu objetivo é convencer você a enfrentar esse nobre desafio.

No Brasil existem 54 espécies de aves limícolas. Todas são espécies da ordem Charadriiformes e se distribuem em nove famílias: Charadriidae, Haematopodidae, Recurvirostridae, Burhinidae, Scolopacidae, Thinocoridae, Jacanidae, Rostratulidae e Glareolidae. Dentro desse grupo temos maçaricos, batuíras, piru-pirus, pernilongos, narcejas e até o quero-quero, que apesar de apresentar hábitos bastante diversificados em relação à alimentação e tipos de ambientes que frequenta, ele é sim uma ave limícola.

A observação e a identificação dessas espécies são muito complexas por vários motivos. A plumagem delas é extremamente variada, com cada fase de vida ou do ciclo anual podendo ter até quatro plumagens distintas. As aves vivem em grandes bandos mistos de espécies que exploram alimentos diferentes em uma mesma área, fato que prejudica a visualização de espécies menores ou menos numerosas. A maioria das espécies canta pouco ou vocaliza somente quando está em voo, o que dificulta muito a utilização desse importante recurso para identificar e diferenciar as espécies semelhantes.

Várias espécies são bastante parecidas e só podem ser diferenciadas pelo tamanho da ave ou de porções específicas de seus corpos, como o bico e as pernas. Essas medidas são muito complicadas de serem mensuradas em fotografias ou com o olhar, mesmo com o auxílio de um bom binóculo.

Muitas das espécies são migratórias, sendo que 38 são migrantes do Hemisfério Norte, quatro do Cone Sul e apenas 12 são residentes no Brasil. As migrações ocorrem no outono e na primavera, quando centenas de milhares de aves deslocam-se do Hemisfério Norte, onde a maior parte das espécies se reproduz, para o Hemisfério Sul. O objetivo é desfrutar da abundância de alimentos em locais seguros, porque na época de inverno os locais de reprodução dessas aves apresentam condições climáticas incompatíveis com a vida, pois o clima é tão frio que os alimentos se tornam escassos.

Aves limícolas migratórias

Para migrar, as aves comumente utilizam as rotas de migração. Essas “estradas aéreas” são trajetos que facilitam o acesso a áreas de descanso e alimentação para que possam “encher o tanque” para continuar a jornada migratória em segurança. A oferta e a qualidade do alimento disponível em cada uma dessas “paradas estratégicas nas estradas” têm que ser alta para que as aves acumulem energia para voar durante longos períodos. Maçaricos e batuíras chegam a voar de cinco a 11 dias sem parar. É o caso do maçarico-de-bico-virado e do maçarico-do-bico-torto. Imagina o que pode acontecer se um maçarico voar 11 dias sem descanso e alimentação e quando chegar na “parada” não encontrar comida para “encher o tanque”… Muito provavelmente a ave não termina a migração e morre no local.

A conservação dessas áreas de descanso e alimentação, que muitas vezes ficam em regiões bastante urbanizadas, é condição decisiva para a continuidade da vida e das viagens, que podem superar 25 mil quilômetros por ano em espécies como o fuselo (Limosa lapponica). Essa ave pode voar até 11 mil quilômetros sem parar.

Alteração de hábitat

Acontece que, na prática, essas áreas sofrem inúmeros tipos diferentes de impactos decorrentes da ação humana, como a expansão urbana e imobiliária, que culmina com poluição e desmatamento, perda de áreas entre marés, perturbação, presença de animais domésticos, caça e alterações climáticas.

A triste e preocupante consequência é que nas Américas, o grupo das aves limícolas está entre os que sofreram maior declínio populacional desde 1970. Isso porque as populações dependem de vários “pontos de parada” ao longo de suas rotas migratórias e, se apenas um desses pontos ficar indisponível ou impróprio, as aves não completam a migração, interrompendo seu ciclo de vida. Isso resulta em grande perda populacional por falta de alimento ou incapacidade de gerar filhotes por não completarem o trajeto.

Ciência cidadã

A boa notícia é que toda vez que aves limícolas são registradas por meio de listas de espécies, fotografias ou gravações sonoras nos “pontos de parada”, essas áreas ganham valor e visibilidade nas plataformas de ciência cidadã, como Wikiaves e eBird. Isso facilita a aprovação de projetos de proteção dessas localidades. Os registros podem ser feitos por cada um de vocês que neste momento está lendo este artigo e deseja muito ajudar a conservar as aves limícolas.

Exerça a sua cidadania de cientista registrando aves limícolas pelo Brasil. Elas precisam de você. Acompanhe a SAVE Brasil, o Programa de Aves Limícolas da instituição e os projetos de aves limícolas de sua região.

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