Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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As cercas na beira de uma rodovia são pensadas para reduzir as fatalidades, evitando que os animais acessem a estrada. Já as passagens de fauna são para aumentar a conectividade, permitindo o cruzamento mais seguro entre os lados da via. Porém, em algumas situações, isso pode não acontecer, pois certos animais são capazes de passar por cima das cercas e outros podem não conseguir cruzar pelas passagens. Existem detalhes importantes nas medidas de mitigação que podem fazer muita diferença na efetividade delas.
A cobra-rato-cinza (Pantherophis spiloides) é uma das maiores espécies de serpente da América do Norte e tem alto potencial escalador, o que pode diminuir o efeito barreira das cercas. Por isso, ela foi escolhida como espécie focal em um experimento no Canadá que avaliou diferentes configurações de cercas a fim de evitar que as serpentes conseguissem passar por cima delas. Foram testadas oito combinações, considerando dois tipos de materiais (tela metálica e lona), duas alturas (60 centímetros e 100 centímetros) e dois formatos de abas superiores (reta e com ângulo de 90°). Os autores registraram os tamanhos das serpentes usadas no experimento e avaliaram as taxas de escape por cima das cercas em cada combinação.
Em geral, as serpentes com maior tamanho corporal tiveram mais sucesso em escapar por cima das cercas. Em relação às características das cercas, as menores taxas de escape foram nas mais altas (100 centímetros), de tela metálica e com a presença de aba superior (ângulo 90°). Conhecer esses detalhes da efetividade da mitigação pode gerar uma maior chance de implementação dessas cercas em grande escala, pois, além de ser mais eficiente, a tela metálica tem custo e tempo de instalação menores do que outras opções comuns, como concreto e alumínio. As características que dificultaram que as serpentes escapassem (evitando o acesso delas à rodovia) devem ser utilizadas no planejamento da mitigação de fatalidades dessa espécie e de outras com comportamentos similares. Além disso, os pesquisadores acreditam que os resultados encontrados para a cobra-rato-cinza podem ser aplicados para a maioria das espécies de serpentes da América do Norte, pois são espécies menores que provavelmente não conseguiriam passar por cima das cercas.
Assim como nas cercas, as estruturas de travessia também podem precisar de adaptações para que diferentes grupos de animais, com comportamentos e morfologias distintas, possam se beneficiar delas da melhor forma. As plataformas secas dentro de passagens de fauna inferiores ou em estruturas de drenagem são um exemplo. Há trabalhos mostrando que alguns animais não cruzam pelo interior das passagens quando há a presença de muita água no chão das estruturas, sendo a instalação de plataformas secas uma possibilidade de tornar essas passagens mais utilizadas.
Muitas estruturas de drenagem presentes em rodovias e ferrovias já em operação foram instaladas sem o intuito de serem usadas para travessia pela fauna. Porém, elas têm potencial de uso pelos animais, sendo possível incrementar a utilização delas com simples adaptações e por ser uma ótima alternativa econômica. Se planejado cuidadosamente, as passagens de fauna com essas plataformas secas podem servir para diferentes espécies cruzarem as vias, permitindo que a travessia ocorra tanto em áreas alagadas como em ambientes secos.
A compreensão sobre os comportamentos e a morfologia das espécies-alvo das medidas de mitigação é muito importante, pois possibilita evitar custos desnecessários com estratégias que não consideram as particularidades das espécies. Algumas adaptações, como a presença de aba superior nas cercas ou a inclusão de plataformas secas nas passagens inferiores, podem resultar em maior uso dessas estruturas e minimizar os impactos. Embora haja informações disponíveis sobre a efetividade de algumas adaptações em diferentes medidas, precisamos que sigam sendo investidos esforços para compreender outras adaptações necessárias para que as mitigações sejam efetivas a uma maior diversidade de animais.
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