
Com base na interpretação mais recente da Phylonyms, que reúne os nomes dos principais clados da árvore da vida, Dinosauria é o clado menos inclusivo que contém Ornithischia, Sauropodomorpha e Theropoda (Langer et al. 2020). Portanto, após uma análise filogenética minuciosa, qualquer animal que for recuperado dentro de uma dessas três linhagens é considerado um dinossauro.

No entanto, este artigo trata da linhagem mais diversa entre elas: os terópodes.
O nome Theropoda deriva do grego antigo, da junção das palavras θηρίον (thérion), que denota uma besta ou animal selvagem, e ποδος (pous, podos), que significa “pé” (Hendrickx et al. 2015). Seu nome faz jus à notória anatomia que é comum aos representantes do grupo: bípedes digitígrados, com pés funcionalmente tridáctilos, isto é, com três dedos que sustentam o corpo do animal (Farlow et al. 2000).

Quando consideramos apenas os dinossauros viventes, representados pelas aves, mais de 10 mil espécies já foram catalogadas, e esse número continua em ascensão, posicionando o grupo como uma das maiores linhagens de vertebrados terrestres que já existiu (Pough et al. 2008). Agora, se olharmos para o passado, com base no registro fóssil, podemos constatar que a diversidade dos terópodes também é muito expressiva.
Por meio do registro fóssil, buscamos informações sobre a vida no passado geológico da Terra. No entanto, esse registro é incompleto e ainda conhecemos apenas uma parcela ínfima dele. Podemos imaginar esse registro como um quebra-cabeça composto por milhares de peças, que, quando montadas, formam uma bela imagem da vida selvagem. Os paleontólogos trabalham arduamente para tentar decifrar e encaixar essas peças. Ainda há muito a ser feito, mas com cada nova descoberta, podemos montar uma imagem mais completa e fascinante da pré-história do nosso planeta.
Depois que um organismo morre, é natural e esperado que ele desapareça quase que por completo. Ele passará pelo processo de decomposição, sofrendo pela ação de bactérias, carniceiros (necrófagos) e outros agentes decompositores. Em pouquíssimo tempo, mesmo um animal de proporções gigantescas, como alguns dinossauros, poderia ter seu corpo reduzido a restos.
Para facilitar o entendimento, a imagem abaixo demonstra didaticamente quais são os fatores que favorecem a preservação. Partes duras, como dentes e ossos, têm mais chances de serem preservadas. Não é à toa que muitos dos registros de dinossauros não avianos são representados por coroas dentárias isoladas.

Alguns casos bastante emblemáticos referem-se às publicações originais de alguns dos primeiros dinossauros conhecidos, como o terópode Megalosaurus (Buckland, 1824) e o ornitísquio Iguanodon (Mantell, 1825), cujos holótipos – isto é, os restos de referência – são majoritariamente representados por dentes.

Mais uma curiosidade relacionada à biologia desses animais é que eles eram polifiodontes, ou seja, tinham a capacidade de substituir continuamente seus dentes ao longo da vida, algo comum também em diversos outros animais, como crocodilianos e tubarões.
Para o Brasil, são conhecidos aproximadamente 50 táxons de dinossauros até o momento (recomendo a leitura do livro Novo guia completo dos dinossauros do Brasil). Entretanto, dezenas de coroas dentárias fossilizadas de dinossauros têm sido identificadas e catalogadas.
Seria possível identificar o dono da boca de onde saiu uma coroa dentária? Sim! Mas nem sempre foi (e nem é!) uma tarefa simples. Nos últimos anos, métodos mais sofisticados têm surgido, além da descrição morfológica tradicional, para esclarecer essa questão. A combinação desses métodos proporciona uma ferramenta poderosa para uma identificação taxonômica mais acurada ao utilizar-se de medidas e de características anatômicas típicas de cada grupo.
A maioria dos dinossauros terópodes possuía uma dentição zifodonte, que se caracteriza por dentes achatados lateralmente, pontiagudos, com curvatura para trás e fortemente serrilhados, lembrando o formato de uma faca. No entanto, há exceções, como são vistas nos espinossaurídeos, que possuem dentes mais cônicos e retos, podendo apresentar redução ou ausência total das serrilhas; e nos unenlagíneos, que não apresentam margens serrilhadas.
Os dentes podem até parecer uma estrutura simples, mas, na verdade, cada um carrega consigo uma série de informações morfológicas. Por exemplo, dependendo do táxon, há variação no formato e quantidade de dentículos, na textura do esmalte e nas dimensões da coroa dentária.

Os dentes dos terópodes são extremamente importantes para entendermos os processos de preservação de fósseis, bem como a diversidade, ecologia e condições paleoambientais. Além disso, eles se tornam peças-chave para analisar a distribuição temporal e geográfica dos diferentes grupos, dado o grande número de exemplares no registro fóssil.
Para a nossa sorte, também são conhecidos fósseis em excelente estado de preservação. No Brasil, há alguns bons exemplos de fósseis de dinossauros com o crânio incrivelmente bem preservado, que inclui mandíbula e fileiras inteiras de dentes, como o Buriolestes schultzi (Müller et al. 2018), o Spectrovenator ragei (Zaher et al. 2020) e o Tapuiasaurus macedoi (Zaheret al. 2011).
Ao longo dos anos, pesquisadores têm extraído informações valiosas de fósseis mais completos como esses. Isso nos permite ter um referencial sólido de informações anatômicas que nos guia na identificação de novos registros, mesmo quando se trata de uma parte pequena do animal que foi encontrada isoladamente, ou ainda na reavaliação de exemplares já estudados.
Em 2020, um conjunto de coroas dentárias isoladas (imagem abaixo) que era, até então, supostamente atribuído a terópodes carcarodontossaurídeos, foi reavaliado como pertencente aos abelissaurídeos (Delcourt, et al., 2020), outro grupo de dinossauros terópodes, também caracterizados por apresentar porte médio ou grande, que foram dominantes no Hemisfério Sul durante os estágios finais do Cretáceo.

Os dados obtidos são compatíveis com a distribuição temporal e geográfica do grupo e ressaltam a diversidade desses animais em território brasileiro, ocupando papéis ecológicos importantes em um paleoambiente que, na época, era semiárido. Além disso, corroboram a hipótese que os carcarodontossaurídeos se tornaram raros ou foram extintos após o Estágio Turoniano, no início do Cretáceo Superior, há aproximadamente 90 milhões de anos.
Vale lembrar que a Ciência não trabalha com verdades, podendo mudar seu entendimento mediante novos estudos e evidências. Assim, é normal que novas interpretações surjam, tornando o nosso quebra-cabeça da vida cada vez mais completo.

Referências
– Anelli LE, Lacerda J (Ilustrador) (2022) Novo guia completo dos dinossauros do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo.368 pp.
– Buckland, W. (1824) XXI.—Notice on the Megalosaurus or great Fossil Lizard of Stonesfield. Transactions of the Geological Society of London, 1(2), 390–396. https://doi.org/10.1144/transgslb.1.2.390
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