A migração de aves sempre foi um ponto de preocupação e atenção no contexto de transmissão e disseminação de patógenos, principalmente após os surtos de influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) – gripe aviária – registrados em regiões da Ásia no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Essa maior preocupação com a IAAP é resultado das consequências negativas que a ocorrência desse vírus pode acarretar nos sistemas econômicos de aves de produção, mas também pelos riscos e impactos nas populações de espécies silvestres, na biodiversidade em geral e na sociedade humana.
De uma forma breve, a influenza aviária é uma doença viral altamente contagiosa com origem nas aves, causada por vírus tipo A da família Orthomyxoviridae, por isso que é popularmente chamada de gripe aviária. Esse vírus apresenta diferentes subtipos, sendo distinguidos pela variação na composição de hemaglutinina e antígenos de neuraminidase (glicoproteínas) que cobrem a superfície desses parasitas.
Até o momento, foram caracterizados 16 diferentes hemaglutininas (H1-H16) e nove diferentes antígenos neuraminidases (N1-N9), sendo cada subtipo viral identificado pela combinação particular de antígeno que possui (por exemplo, H5N1 ou H3N2). Os vírus da IAAP também já foram isolados, embora com menos frequência, de espécies de mamíferos, incluindo humanos. Essas características conferem ao vírus influenza uma alta capacidade de mutação.
Estudos indicam que as aves aquáticas sejam reservatórios naturais do vírus, principalmente os representantes das ordens Anseriformes (patos, marrecos, gansos, cisnes etc.) e Charadriiformes (maçaricos, batuíras, trinta-réis, gaivotas etc.). Dependendo da cepa do vírus e da espécie de ave, o vírus pode ser inofensivo ou fatal para o animal.
Quando as aves apresentam poucos ou nenhum sintoma do vírus, isso permite que elas espalhem o vírus entre países vizinhos ou por grandes distâncias, ao longo de suas rotas migratórias.
No contexto de migração de aves, a temática é ainda mais complexa, pois envolve aspectos de movimentos regulares e sazonais de populações de aves entre regiões distintas. É importante mencionar que as fronteiras políticas, para esses animais, são inexistentes, sendo as variáveis ecológicas muito mais relevantes e difíceis de se mensurar/estabelecer. Existem diversos tipos de movimentos, tanto entre latitudinal (norte/sul) quanto longitudinal (leste/oeste) quanto entre diferentes altitudes, envolvendo diferentes espécies com hábitos e nichos ecológicos distintos. Adiciona-se ainda, os intervalos de movimentação e a capacidade fisiológica dos indivíduos em executar a migração.
Assim, em termos de exemplificação, geralmente entre os meses de março a julho há um fluxo de migração de aves marinhas ao longo da zona costeira brasileira que pode envolver representantes de espécies com origens em diversas partes do Atlântico, seja do hemisfério norte – como as cagarras (Calonectris ssp.) – ou do hemisfério sul – como a pardela-de-barrete (Ardenna gravis).
Essas aves aparecem mortas em diversos trechos de praia do Brasil. Entre junho e setembro, há ocorrências com exemplares de pinguim-de-magalhães (Spheniscus magellanicus), que podem aparecer debilitados ou já sem vida nas praias. Já entre meados de setembro a março, há um grande fluxo de migração de Charadriiformes procedentes de regiões do Canadá e EUA, com bandos de maçaricos, batuíras e trinta-réis. Sem mencionar as movimentações regionais de espécies que se reproduzem em território brasileiro e se deslocam entre áreas diferentes, como a marreca-cabocla (Dendrocygna autumnalis) e o trinta-réis-de-bando (Thalasseus acuflavidus), entre várias outras.
Um surto mais intenso de IAAP tem acometido o continente americano desde 2022, com uma alta taxa de mortalidade de animais marinhos, tanto de aves quanto de mamíferos, em países sul-americanos como Peru, Chile e Argentina. O Brasil teve o seu primeiro caso confirmado de IAAP (H5N1) em ave silvestre no dia 15 de maio de 2023, diagnóstico que resultou na declaração do Estado de Emergência Zoossanitária (Portaria Mapa nº. 587, de 22 de maio de 2023).
O contexto do diagnóstico de ocorrências de H5N1, como cepa de influenza aviária de alta patogenicidade, aumenta os riscos de impactos. As informações disponibilizadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), no painel de acompanhamento dos casos de IAAP (Síndrome Respiratória e Nervosa das Aves – SRN), evidenciam uma prevalência dos casos positivos em aves marinhas, com 80% dos casos registrados para as populações de trinta-réis (Thalasseus acuflavidus e Thalasseu maximus).
Contudo, as confirmações para espécies domésticas (dois casos) e para aves rapinantes, como carcará (Caracara plancus), gavião-carijó (Rupornis magnirostris), gavião-preto (Urubitinga urubitinga), corujinha-do-mato (Megascops choliba), indicam uma necessidade de atenção para os cuidados necessários em relação a disseminação do vírus para outras áreas e para a contaminação de outras espécies.
Por isso é importante que as equipes dos centros de triagem e reabilitação de animas silvestres (Cetras) estejam atentas aos procedimentos de análise clínica e anamnese dos animais, de forma a não admitir a entrada de animais com suspeitas de contaminação por IAAP e expor o plantel a transmissão da doença. Deve-se também fortalecer a comunicação com a sociedade para que as pessoas evitem pegar animais doentes com suspeitas de IAAP, sendo necessário o acionamento dos órgãos competentes, em especial o Sistema Veterinário Oficial – SVO de cada localidade, para executar a coleta desses animais.
Principais formas de transmissão de gripe aviária
A contaminação pode ocorrer por exposição do organismo com o vírus por meio de mucosas, seja pela respiração de particulados e/ou contato com secreções, fezes, substratos e líquidos contaminados. A transmissão para humanos tem sido considerada como de baixa incidência, mas quando ocorre é de alta letalidade.
Principais sintomas de H5N1 em aves
As aves contaminadas podem apresentar sinais clínicos respiratórios, neurológicos e digestivos, sendo geralmente representados por:
- dificuldades de sustentação;
- dificuldade respiratória, tosse, espirros, muco nasal;
- torcicolo, espasmos involuntários da cabeça/pescoço, andar cambaleante;
- hemorragias nas pernas e, às vezes, nos músculos;
- edema (inchaço) nas juntas das pernas;
- cianose e focos necróticos na crista e na barbela;
- diarreia aquosa esverdeada ou branca e desidratação.