Desafios do manejo e conservação de preguiças no Amazonas

O Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama no Amazonas, localizado em Manaus, recebe em média mil animais anualmente. Ao analisar os registros e históricos deles, percebe-se o quanto é arriscada e difícil a vida da fauna silvestre na matriz urbana da capital do Estado e a existência de inter-relações complexas de conflito, muitas vezes velado, entre a cidade, os animais e as pessoas.

Dentre os mais de cem diferentes táxons recebidos no Cetas todos os anos, um grupo que se destaca é o das preguiças, que são classificadas em dois gêneros: Bradypus (preguiças-de-três-dedos) e Choloepus (preguiças-de-dois-dedos). Três das seis espécies que ocorrem no Brasil são frequentemente entregues à unidade: Bradypus tridactylus, no Amazonas chamada de preguiça-de-bentinho, Bradypus variegatus, conhecida na região como preguiça-comum, e a imponente preguiça-real, cujo nome científico é Choloepus didactylus.

Observa-se que Bradypus variegatus não ocorre na capital amazonense e demais municípios da margem esquerda do rio Negro. Isso aponta à necessária atenção que deve ser dada aos procedimentos de soltura de animais dessa espécie após a reabilitação, observando-se sua área de distribuição, que inclui os municípios de Iranduba e Careiro da Várzea, Manacapuru e Novo Airão, próximos a Manaus.

Perda e alteração de hábitat para preguiças

As preguiças são solitárias e arborícolas, dependendo de vegetação florestal para mobilidade e sobrevivência. A supressão vegetal, a degradação do hábitat e a urbanização geram impactos diretos e secundários, limitando recursos e condições ambientais que afetam diretamente o comportamento ecológico desses animais e de inúmeros outros mamíferos, potencializando a extinção local de várias espécies.

Infortunadamente, as formações florestais em Manaus e cidades circunvizinhas vêm diminuindo rapidamente sob forte pressão antrópica (de atividades humanas), o que induz esses animais a saírem do hábitat natural e utilizarem estruturas urbanas para se deslocarem. Esse fenômeno os deixa vulneráveis a acidentes como eletrocussão, atropelamento, ataque por animais domésticos, além de captura para domesticação e exposição em redes sociais.

Em 2022, 45 preguiças foram resgatadas e entregues ao Cetas do Ibama em Manaus, estando entre as espécies de mamíferos mais representativas no centro, com quantitativo apenas menor do que o de primatas. Mais de 50% dos animais recebidos estavam feridos e/ou doentes e debilitados, muitos com fraturas, queimaduras e lesões graves. O Cetas recebe também animais doentes e filhotes órfãos, além de juvenis resgatados em vias públicas, geralmente próximas a florestas remanescentes.

Além das ameaças às quais as preguiças estão susceptíveis em ambientes progressivamente antropizados, o comportamento, o metabolismo e a dieta peculiares, associados aos poucos estudos na região sobre doenças e terapêuticas medicamentosas aplicadas a elas, tornam seu manejo em cativeiro desafiante. Por outro lado, o recebimento desses animais em Cetas oportuniza espacializar ocorrências e compreender os contextos em que os animais estão mais susceptíveis a riscos, além de possibilitar o desenvolvimento de conhecimentos e técnicas de manejo que podem promover avanços nos processos de reabilitação de indivíduos e contribuir com a conservação local e regional dessas espécies.

A reabilitação das preguiças

Diante dos desafios, a equipe de tratadores, biólogos, veterinários e pesquisadores do Cetas e de instituições parceiras têm integrado esforços para o aperfeiçoamento em manutenção, manejo alimentar, nutricional, clínico e sanitário das preguiças recebidas. Nesse caminho, os animais que ingressam na unidade passam por anamnese, momento em que se buscam informações sobre o contexto de origem e manejo prévio, a partir de pessoas e instituições que realizam os resgates. Cada indivíduo é posteriormente submetido a avaliação clínica e comportamental, sexagem, marcação com microchip e coletas biológicas.

Durante o período em que permanecem no Cetas, as preguiças ficam sob contínuo acompanhamento, atentando-se para condições clínicas variadas, faixas etárias e até diferenças individuais.

O manejo nutricional dos espécimes recebidos tem se pautado em estudos científicos, nas experiências de especialistas de outras instituições, em conhecimentos tradicionais de populações locais que indicam espécies vegetais naturalmente consumidas e nas vivências do próprio Cetas. As espécies de Bradypus são essencialmente folívoras e desde os primeiros dias de nascimento selecionam folhas novas e tenras, amentos e flores para alimentação, principalmente folhas de cacau, munguba, flores de hibisco e folhas, amentos e frutos de várias espécies de embaúbas (Cecropia sp.). Leite sucedâneo em intervalos regulares é ofertado aos filhotes.

Já as Choloepus são folívoras-generalistas, aceitando uma dieta mais diversificada, constituída de folhas, brotos, flores, frutos, além de legumes e proteína animal, quando mantidas sob cuidados humanos. Dentre os alimentos preferidos pela espécie destacam-se folhas de taperebá, ingá, cacau, cupuaçu, flores de hibisco, de castanha-do-brasil e de ipês, além de folhas, flores e frutos de embaúbas.

A ambientação dos locais de manutenção dos indivíduos, especialmente filhotes, que ficam por longo período na unidade, também tem sido objeto de atenção da equipe. Inicialmente, os filhotes são mantidos com pelúcias, em caixas específicas abertas e enriquecidas com galhos, cipós e folhas, possibilitando mobilidade, banhos de sol e forrageio característicos das espécies. Na fase de transição para a etapa juvenil, visando promover maior segurança nos deslocamentos e procura por alimentos, são estimulados a utilizar árvores de pequeno porte e estruturas em madeira e cipós que oferecem também a possibilidade de descansar, descer ao solo para defecar, desenvolver posturas defensivas e outras habilidades necessárias no âmbito de planos de manejo que visem a soltura.

O conhecimento ecológico sobre as preguiças, quando associados a pesquisas específicas e estudos de casos sobre aspectos clínicos, fisiológicos, nutricionais e comportamentais, contribuem para desenvolver habilidades e implementar estratégias de reabilitação e de conservação para esses animais. No entanto, é necessário promover e fomentar mais estudos técnico-científicos para a consolidação desses conhecimentos e de sua aplicação às rotinas dos centros de triagem.

Acreditamos que projetos de pesquisa associados aos registros de manejos adotados para indivíduos sob cuidados humanos podem contribuir com estratégias de conservação local e regional para essas espécies. Obviamente sem perder de vista a necessidade urgente de políticas públicas efetivas para implementação de medidas de mitigação e prevenção dos impactos que levam esses animais aos Cetas.

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